Queira-se ou não, goste-se ou não, só o Estado pode representar consensos entre cidadãos. O mercado não pode nem está interessado em servir de mediador. O mercado não é um deus, nem um ser humano, pensante e imparcial.
Já há bastante tempo que pessoas como o sociólogo António Barreto se interrogam sobre a sociedade portuguesa. Como ele, podemos perguntar: como estaria Portugal sem o seu fraco, mal organizado, ineficaz e caro Estado? Podemos partir para a via proposta pelo neoliberalismo – a redução do Estado às suas funções mínimas: cobrança de impostos, administração da Justiça, repre sentação externa, segurança e defesa (polícia e forças armadas). Podemos abolir (já faltou muito mais para isso) o chamado Estado assistencial que comporta a Educação e os serviços de Saúde, ou ainda o apoio aos idosos e pessoas mais carenciadas. Idosos sempre existirão. Como notou John Kenneth Galbraith, pessoas marginalizadas, mesmo que por doença mental, também sempre existiram. Devemos condená-las à miséria? Devemos desinvestir na Educação, considerando-a um custo? Deveremos antes considerar a Educação um investimento? Deveremos perguntar, como Mussolini: “Quereis manteiga ou canhões”? Deveremos preferir os canhões? Devemos preferir uma ferrovia caríssima à própria extensão de uma ferrovia “normal”, digamos a funcionar a 120Km/h? Devemos preferir gastos em equipamentos militares em detrimento da saúde? Nada tenho contra as forças armadas. Sou até auditor de defesa nacional; entendo que a GNR deveria ser integrada nas forças armadas, com um estatuto militar reforçado, permitindo enormes ganhos em funcionalidade sem despesas acrescidas. Também sei que o submarino Barracuda foi importante no combate ao tráfico de droga por via marítima. Mas é questionável se Portugal precisava de dois submarinos novos, prescindindo de cuidados de Saúde. Não teria sido preferível só um? E por que não tentar comprar um submarino usado? O recuo constante do sector estatal na sociedade portuguesa é muito visível nos anos mais recentes. Desde a Educação à Saúde, o problema agudiza-se. Quem terá dinheiro para pagar estudos aos filhos num sistema completamente privado? Quem poderá pagar cuidados paliativos a doentes em estado terminal no sistema de saúde privado? Qual será a percentagem de portugueses que o poderão fazer? Queira-se ou não, goste-se ou não, só o Estado pode representar consensos entre cidadãos com disputas. Quem imaginou o Estado, nas primeiras grandes civilizações agrícolas humanas, no chamado “crescente fértil” sabia o que fazia. O mercado não pode nem está interessado em servir de mediador entre cidadãos. O mercado não é um deus, nem um ser humano, pensante e imparcial. Pelo contrário, o Mercado vela por interesses muitas vezes obscuros. Os dirigentes das grandes companhias multinacionais foram eleitos por alguém? Passaram por escrutínio democrático? Os mercados mundiais existem, o capital é internacional e viaja à velocidade das comunicações informáticas: em tempo real. O Estado é, assim, uma entidade necessária a uma convivência civilizada. Quem clama por “menos Estado” não sabe, ou não quer saber, que, se reduzirmos os cidadãos a dois grupos – os riquíssimos (e pouquíssimos) e os miseráveis (e muitíssimos) – haverá um enorme preço a pagar. Podemos ainda optar pela desregulamentação de tudo, pelo trabalho escravo ou infantil, pela depauperação crescente do Ocidente. Mas isso será optar por construir um “Brasil Global”, curiosamente algo de que Mikhail Gorbachev falou como possibilidade. Um mundo no qual os pobres serão a larguíssima maioria, no qual não adiantará muito estudar (o que já está a acontecer) pois os patrões querem gente acrítica, disposta a sacrifícios enormes e a trabalho não qualificado. Será também um Mundo sem valores. Os riquíssimos serão guardados por exércitos privados e não precisarão de Ética nos seus modos. Os pobres nada terão, começando por nada terem a perder, perante a Justiça. Como me disse um colega brasileiro, “dá para desafiar quem nada tem, que sabe que se for muito mau, mais respeitado será na prisão, onde comerá melhor que em liberdade”.
Carlos Mota
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