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Lotte Reiniger, a princesa do cinema de ani- mação

Para o Vasco Granja, que a deu a conhecer.

Entre as grandes figuras do cinema de animação, Lotte Reiniger mantém-se única. Mais ninguém pegou numa técnica específica de animação e a fez literalmente sua. Em termos práticos, a história das silhuetas animadas começou e acabou com ela. Pegando na antiga arte do teatro das sombras, aperfeiçoada até ao limite na China e na Indonésia, adaptou-a superiormente ao cinema.
Nasceu em Berlim, de pais cultos, e desde muito cedo mostrou um talento excepcional para fazer silhuetas em papel, que usou para criar o seu próprio teatro de sombras. Inicialmente pensava ser actriz. Estudou com Max Reinhardt e usou as suas capacidades de fazer silhuetas para atrair a atenção do realizador Paul Wegener. Este convidou-a para fazer as silhuetas dos intertítulos dos filmes Rübezahls Hochzeit (1916) e Der Rattenfanger von Hamein (1918).
Wegener apresentou-a a um grupo de jovens que estava a montar um estúdio experimental de animação, o Berliner Institut für Kulturforscung, dirigido por Hans Cürlis. Um dos membros do grupo era o historiador de cinema Carl Koch. Em 1919 Reiniger fez o seu primeiro filme, Das Ornamentdes verliebten Herzens. Em 1921 casou com Koch, que desenhou o seu estúdio de animação e se tornou o seu produtor e operador de câmara até à sua morte, em 1963.
Desde o início, Reiniger sentiu-se atraída pelos contos de fadas para as seus filmes, Cinderela e A Bela Adormecida, ambos de 1922. O realizador vanguardista Hans Richter, um amigo de sempre, escreveu que Reiniger “pertence à vanguarda, quer pela sua produção independente, quer pela coragem”, mas o espírito da sua arte vai muito mais atrás, a uma idade mais inocente. Jean Renoir, outro amigo muito próximo e admirador apaixonado da sua arte, descreveu os seus filmes como “uma expressão visual da música de Mozart”.
De 1923 a 1926, Reiniger trabalhou com Koch, Walter Rutmann e Berthold Bartosch no seu mais famoso trabalho, As Aventuras do Príncipe Achmed – a primeira longa-metragem de animação. O financiamento deste projecto foi de um jovem banqueiro de Berlim, Louis Hagen, que tinha visto os seus trabalhos anteriores e se tinha tornado seu grande admirador. Quando a inflação atacou o Marco alemão, em 1923, Hagen tinha investido uma parte do seu dinheiro em película, que posteriormente ofereceu a Reiniger para fazer um filme sobre o tema que quisesse, tendo mesmo montado um estúdio para ela trabalhar, sobre a garagem da sua casa, em Potsdam.
Depois de concluir Príncipe Achmed, Lotte nunca mais fez longas-metragens. Até ao fim da sua longa carreira de 60 anos concentrou-se nas curtas. Dos seus quase 60 filmes, sobreviveram 40. A sua técnica, já espantosa em Príncipe Achmed, ganhou em subtileza e graça quase balética durante a década 30 do século passado.
Em meados da década de 70, persuadiram-na a fazer um périplo pelos Estados Unidos, onde se descreveu como “uma primitiva artista das cavernas”. Os seus dois últimos filmes – The Rose and the Ring (1979), de um conto de Thackeray, e Die vier Jahreszeiten (1980), rodado no ano anterior à sua morte – demonstram que, com mais de 80 anos, as suas mãos não tinham perdido a magia de sempre.

Paulo Teixeira de Sousa


  
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