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Assistentes Sociais: do compromisso familiar e do exercício profissional

No âmbito do projecto Trajectórias Sociais e Práticas Profissionais de Assis tentes Sociais, do Centro de Investigação Identidade(s) e Diversidade(s) / Instituto Politécnico de Leiria (CIID-IPL), temos realizado trabalho de pesquisa etnobiográfica com profissionais desta área. Pretendemos aqui apresentar um esboço reflexivo relativamente às questões da articulação entre a vida familiar e profissional de duas das Assistentes Sociais que, ao longo da investigação, recordam e relatam as suas histórias de vida, vivências e incidentes críticos que são, muitas vezes, referenciados pelas próprias como formativos. Para este efeito, utilizámos, como instrumentos de investigação, entrevistas em profundidade e um focus group.
O processo de metamorfose identitária é analisado com base nas trajectórias pessoais, sociais e profissionais dos assistentes sociais, recorrendo, fundamentalmente, à sua capacidade auto-reflexiva. Elisabete Moita (E.M.) e Conceição Sousa (C.S.) são duas destas profissionais. Ambas assumem
claramente que, ao longo do tempo, se foram transformando, quer a nível profissional, quer a nível pessoal.
E.M. foi conseguindo desenvolver estratégias que lhe permitem, de alguma forma, desligar a ficha quando vai do trabalho para casa: “sinto que tenho feito um esforço, tenho exercitado (...) competências no sentido de fazer este travão, porque quando comecei a trabalhar, trabalhava 15, 16 horas por dia (...) O tempo, para mim, tem sido uma variável (...) que me tem obrigado a pensar muito bem nele, porque percebi que, para estar bem comigo, com a minha família e com o meu trabalho, tenho que aproveitar todos os minutos e poupar-me nas tarefas que são secundárias, não desperdiçar tanto tempo com elas, para ter qualidade nas coisas que faço e ser eficaz no tempo que uso. Eu, quando estou com o meu filho, nem que seja dez minutos, estou verdadeiramente com ele. Ali, tenho de desligar e desligo”.
Todavia, C.S. assume que, além de não conseguir separar estas dimensões, com o tempo, a incapacidade de separação destes dois mundos ainda se vai notando mais, sendo a própria família afectada com essa situação: “Nem a dormir, isto pode ser preocupante, nem a dormir! Tenho muitas noites em que não consigo dormir descansada, mesmo nos bocadinhos em que durmo; o que está sempre em mente são questões que estão pendentes, como é que vou resolver aquilo – aliás, eu acho que resolvo muitas coisas durante a noite... É verdade, e isto tem vindo a agravar-se e tenho que começar a preocupar-me um bocadinho com isto, até porque acho que a minha família tem sofrido com todo este processo”.
O focus group, enquanto instrumento de investigação, permitiu-nos encontrar espaços de comparação, de complementaridade e de identificação, mas, também, de confrontação e de diversidade. O focus group fez emergir questões que, na entrevista individual, seriam impossíveis de discutir, porque a semelhança de papéis evidenciou a necessidade de distinção e afirmação de pontos de vista pessoais. A este propósito, diz C.S.: “Eu acho que é importante este exercício, se calhar devia ter feito este exercício (...) na altura em que tinha os filhos pequenos, quando fui para o lar”. Esta entrevistada afirma, claramente, que se tivesse feito esta reflexão mais cedo, a sua trajectória pessoal e profissional teria sido bem diferente. É neste sentido que consideramos que o focus group, além de um excelente instrumento de investigação, é também um caminho para a auto-reflexão e (trans)formação.
Todas as entrevistadas que compõem o universo desta pesquisa (5), quando instadas a pensar nas suas vivências pessoais e profissionais, assumem que se transformaram. Embora umas o reconheçam mais do que outras, a verdade é que são unânimes em afirmar que, actualmente, já não são nem a mesma profissional nem a mesma pessoa que eram. Embora possamos encontrar percursos de formação e profissionais muito semelhantes, os processos de transformação e formas de agir assumidos por elas são bastante distintos. Estamos, em parte, perante os princípios de individualização e de socialização que compõem o “habitus” [Pierre Bourdieu, «Esboço de uma teoria da prática»]. Embora as condições objectivas e externas para a acção sejam comuns, nem todos os sujeitos se apropriam dessas con dicionantes da mesma forma [Ricardo Vieira, «Identidades Pessoais»].

Cristóvão Margarido e Tânia Coelho


  
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