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Conversas: caminhos da pesquisa com o cotidiano

Assumir a conversa como metodologia é assumir que podemos aprender com as nossas frases inconclusas, com os milhares de fragmentos que nos constituem e atravessam nossas práticas.

É o que nós estávamos conversando em off, acho que é muito relevante, e acho que não é uma dificuldade só minha, não. Acho que é a dificuldade de muitos professores quando param pra conceituar seu aluno. Porque a gente, no final de cada período, a gente tem que dar um conceito: RR, R, B, MB [registra recomendações, regular, bom, muito bom]. E eu estava conversando com as professoras que Ronald e Giovani, meus dois casos que eram críticos, no final do ano se transformaram em caso de sucesso. Mas eu avaliei eles como R... Isso porque eu tive que medi-los, eu tive que classificá-los e compará-los com os outros alunos. E aí eu estava conversando com a Rosangela, e a Rosangela: “Aline, se você sente que você foi injusta, porque você classificou-os como R?”. Porque eu não seria justa com os demais da sala. E eu tenho que tirar um parâmetro comum. Tem como você ajudar a gente a enxergar? Como avaliar? Sei lá, estes dois alunos... Será que eu fui injusta?

Onde se inicia a pesquisa como cotidiano? Quando se inicia? Os caminhos de minha pesquisa foram feitos de muitos começos. Um destes começos, foram as conversas entre o grupo de professoras alfabetizadoras de minha escola, que despertaram a mim, assim como as pesquisadoras do Grupalfa [Grupo de Pesquisa – Alfabetização dos Alunos e Alunas das Classes Populares], para a potencialidade daquelas conversas como uma das formas possíveis de investigarmos como cotidiano. Uma metodologia que se produz com os sujeitos e suas vozes em um movimento dinâmico, rizomático, imprevisível. A cada nova palavra, a cada novo acontecimento, a cada nova experiência resignificada na palavra do outro, a pesquisa abria-se para uma nova trilha. Caminhos abertos pela conversa...

Conversas. O lugar onde os sujeitos que se assumem como narradores compartilham experiências. Como a professora Aline ao refletir sobre sua prática e sobre a avaliação de seus alunos, compartilha, busca, questiona, reflete. Provoca o nosso pensamento, desafiando-nos a permanecer as mesmas, com as nossas mesmas verdades. Não existem respostas simples. A professora Aline vai mostrando como a teoria se move em suas reflexões, e nos leva com ela. Pensa, repensa, faz e refaz.

Nestas conversas, nossas idéias foram nos levando para aqueles lugares onde nossos sentimentos nos mantinham ancoradas: a dor de nosso trabalho não reconhecido, a insegurança diante do olhar (e do julgamento/avaliação) dos outros; nossos saberes não valorizados; os saberes de nossos alunos que não valorizávamos, ou aqueles que mesmo quando valorizávamos não sabíamos como expressar; a alegria do sucesso; a necessidade de nos dizermos, de nos mostrarmos, de nos pensarmos. A necessidade de nos tornarmos senhoras de nossa palavra, de nos enunciarmos e anunciarmos, de nos tornarmos sujeitos na pronúncia do mundo, do nosso mundo. Um processo tão intenso que levou duas professoras do grupo a produzirem textos com suas reflexões sobre nossas conversas.

Minhas colegas professoras, que compartilharam suas experiências e comigo teceram a narrativa da pesquisa. Sim, o que temos e fazemos é, com certeza, uma conversa. Uma conversa que flui, que segue meio sem rumo, sem direção... Cada uma com seu novelo de verdades, de saberes, de experiências ao colo, vai cruzando seu fio com a outra. Puxa, amarra, desfaz. Às vezes formamos lindos mosaicos, às vezes a trama se esgarça. Paramos, mudamos de rumo, depois retomamos os pontos frágeis de outros lugares. Não apenas duas ou mais lógicas que buscam superar-se, duas ou mais lógicas que se enfrentam.

Conversas são feitas de fragmentos de pensamento, de sentimentos, idéias ainda não tão bem acabadas, impressões, memórias, dúvidas. Assumir a conversa como metodologia é assumir que podemos aprender com as nossas frases inconclusas, com os milhares de fragmentos que nos constituem e atravessam nossas práticas.

A conversa começa em um ponto que não necessariamente foi aquele que você esperava começar, e termina em lugares absolutamente imprevisíveis. A conversa em sua dialogicidade e dinâmica nos produz outros na interação com as experiências dos narradores, não possuindo, portanto, garantia de portos-seguros onde ancorarmos. Mesmo quando partimos com um mapa, os ventos, os mares, e a própria viagem vão nos transformando e transformando nossos caminhos. É preciso deixar-se levar... Uma conversa também nem sempre se encerra quando nos despedimos, pois seguimos uns nos outros, continuando mentalmente, por muito tempo, a conversa inacabada...

Andréa Serpa


  
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