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Até que Bolonha chegue...

Pode dizer-se que, em Portugal, está hoje generalizada a estrutura dos cursos de Ensino Superior segundo o modelo de Bolonha. Em 2008, apenas 2% desses cursos não tinham ainda sido adaptados. A meta temporal traçada para a sua total implementação foi o presente ano e não há razões que pareçam vir a pôr em causa o seu cumprimento. Contudo, entre a implementação formal e a efectiva impregnação do modelo de Bolonha nas instituições de ensino superior (IES) e na sua vida interna há uma distância considerável. As instituições adequaram a estrutura dos cursos aos ciclos previstos e foram utilizando, mesmo que por vezes de forma questionável, os instrumentos de Bolonha, como o ECTS [Sistema Europeu de Acumulação e Transferência de Créditos] e o Suplemento ao Diploma [documento conferido no final de um programa de estudos, onde consta a descrição do sistema de ensino do país de origem do diploma, a formação realizada, o seu objectivo e os resultados obtidos]. Por seu turno, a reforma curricular veio acelerar um conjunto de mudanças em áreas não directamente a ela ligadas, como a da garantia da qualidade, a da internacionalização e a do próprio modelo de governação do sistema e das instituições de Ensino Superior (IES). Porém, e a julgar pelos relatórios que as instituições têm de, por lei, publicar anualmente sobre os seus progressos na implementação do processo de Bolonha, a mudança do paradigma de aprendizagem do modelo centrado no ensino para o modelo centrado na aprendizagem dos estudantes permanece o grande desafio com que as instituições se confrontam. Estas claramente reconhecem, sobretudo, a necessidade de formação do seu corpo docente para que esse modelo possa penetrar, de facto, nas estruturas e processos de formação.

 

Arte bonsai, resistência dos académicos e reforma pedagógica

Os processos de mudança nas instituições não acontecem ao ritmo desejado pelas agendas políticas. Necessita de ser aprofundada a questão de como é que a reforma curricular veiculada pelo Processo de Bolonha foi levada a cabo nas IES. Alguns investigadores falam do “efeito bonsai”, isto é, em muitos casos, as unidades curriculares anuais foram ou meramente semestralizadas, ou miniaturizadas noutras unidades curriculares, ou mesmo em conjuntos de módulos, sem qualquer alteração da sua perspectiva pedagógica. Noutros casos, tudo se teria passado como se os conteúdos, processos e objectivos da disciplina fossem meramente traduzidos para bolonhês, sem alteração da sua substância pedagógica: os alunos em estudantes, a disciplina em unidade curricular, os conteúdos e os objectivos em competências e resultados da aprendizagem, etc. Porventura fruto da resistência e inércia de alguns académicos, esta perspectiva poderia ser designada pelo dito plus ça change, plus c’est la même chose… Finalmente, parece haver uma terceira abordagem da reforma curricular – a daqueles que vêem na implementação do Processo de Bolonha uma oportunidade para renovar a própria academia e confrontar o que eventualmente reste do modelo elitista da Universidade, numa espécie de assalto final à “torre de marfim”.

 

Agenciar Bolonha

 Aparentemente, o modelo de aprendizagem centrado nas aprendizagens tem o potencial identificado por pedagogos como John Dewey, Paulo Freire ou Ivan Illich para lidar com as necessidades e desafios das sociedades pós-industriais e com as novas formas de cidadania. De facto, o modelo pedagógico centrado no estudante e nas suas competências é ambicioso nas suas promessas: trabalho autónomo, reforço do trabalho em equipa, do aprender fazendo, orientação tutorial, etc. Mas não sendo um discurso novo em educação, este modelo parece fundar-se em duas premissas centrais, que o renovam: – a da aceleração do processo de criação e de circulação do conhecimento e da informação; – a de que estes são factores-chave para o crescimento económico. Aquilo que deve constar do curriculum e dos seus objectivos de formação parece ser cada vez mais estruturado por estas duas assunções. Cabe às IES, e sobretudo aos professores enquanto tal, tomar este debate em mão. O risco de não o fazer é o de o conhecimento, enquanto objecto de aprendizagem, ao ser traduzido nos agregados de competências que constituem o resultado das aprendizagens, possa, no processo formativo, passar pela pessoa dos estudantes, como diria Bernstein, como o dinheiro, isto é, sem os transformar. O Processo de Bolonha chegou às instituições pela mão – e pela força – dos procedimentos formais, mas os seus sentidos educativos estão longe de estar a ser devidamente discutidos. Nas instituições, pressionados pelo como da implementação, discute-se pouco o porquê e o significado formativo dos seus instrumentos. Mas, sem essa discussão, é possível que Bolonha, nas suas melhores promessas, acabe por não chegar.

António M. Magalhães


  
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