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Qual é a sala do presidente do conselho geral?

Adivinha-se o uso discricionário de pequenos-grandes poderes e percebe-se a arrogância de quem está ciente de que o escrutínio dos seus actos é pouco provável ou ineficaz.

A experiência que tenho vindo a acumular, decorrente de visitas várias (e geograficamente dispersas) a escolas públicas portuguesas, no âmbito do actual programa de avaliação externa, tem constituído uma oportunidade sui generis de contactar com realidades bastante diversas e de dialogar com alunos, pais, professores, directores e muitos outros actores educativos.
Passadas mais de duas décadas, o que hoje observo é radicalmente distinto daquilo que vivenciei quando, no início dos nos oitenta, fui professor do Ensino Secundário. Indiscutivelmente, as escolas tornaram-se muito mais complexas como organizações educativas, permeáveis em grande medida às mudanças ocorridas na sociedade portuguesa, aos públicos cada vez mais heterogéneos e multiculturais, às sucessivas (e contraditórias) orientações político-ideológicas para a educação, às estratégias de escolarização das famílias e dos seus filhos (enquanto jovens e enquanto alunos), enfim, aos dilemas, perspectivas e valores em confronto nestes tempos de modernização reflexiva.
Esta complexidade é notória em muitas das dimensões da vida quotidiana destas organizações: para além das actividades de ensino no contexto da aula, as escolas estão pulverizadas de projectos (alguns dos quais internacionais) e de muitas outras actividades educativas, directa ou indirectamente relacionadas com o currículo numa acepção ampla.
Na diversidade de realidades, há, todavia, algumas invariantes, uma vez que as orientações e as soluções para os problemas não são, apesar de tudo, muito diferentes.
Assim, por exemplo, o comparativismo das avaliações entre escolas, ou na mesma escola, no que diz respeito aos resultados académicos internos e externos, é obsessivo. A gestão das diferenças, sem criatividade ou compromisso pedagógico, é praticamente limitada a cursos de educação e formação (CEF ou alguns EFA), embora, por vezes, empolada ou retoricamente assumida como missão salvífica destinada a não-herdeiros (melhor dizendo, deserdados) – os quais, supostamente, aí encontram derradeiras oportunidades de sucesso.
São igualmente recorrentes os apelos à sociedade civil (enquanto comunidade educativa ou enquanto mercado, consoante os casos), quer através de parcerias, formais ou informais, quer através do envolvimento e da participação, mais ou menos induzidos, das associações de pais e encarregados de educação.
Não deixa de ser igualmente notório o uso de todos os tempos e espaços, que tendem a exaurir as energias (e voluntarismos) de professores, directores de turma e auxiliares de acção educativa (estes últimos, mais recentemente rebaptizados, inopinada e tecnocraticamente, de assistentes operacionais).
E, entre muitas outras dimensões organizacionais que poderiam ser convocadas, é inevitável referir a crescente centralidade dos novos directores.
Com excepções dignas de registo, e lembrando que a minha amostra é pequena e não representativa, alguns deles são gestores de longa duração (dinossauros da gestão escolar), sem carisma, sem imaginação, sem erudição, sem um discurso cultural e educacional persuasivo e sustentado, sem visão pedagógica e organizacional. A sua liderança, nestes casos, só é forte (como parece desejar algum discurso oficial) por estar legalmente amparada e ser consentida pela passividade.
Adivinha-se nessas ditas lideranças o uso discricionário de pequenos-grandes poderes, como o da avaliação do desempenho, e percebe-se a arrogância de quem está ciente de que o escrutínio dos seus actos é, legitimamente e hierarquicamente, pouco provável ou ineficaz, apesar da existência de um órgão (democrático) de direcção.
Mesmo o presidente do agora designado conselho geral, nas escolas que visitei, nem sequer tem direito a uma pequena sala – o que, sem dúvida, se existisse, alguma coisa haveria de contar na economia das trocas simbólicas em que os espaços também têm significado. A este propósito, foi sempre com um ar de surpresa, ou com um sorriso ténue mas incomodado, que alguns directores que conheci reagiram à minha pergunta: qual é a sala do presidente do conselho geral?

Almerindo Janela Afonso


  
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