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A propósito da prova de ingresso na carreira docente

Desconheço avanços recentes – se os houve – nas negociações entre Ministério da Educação e sindicatos sobre a prova de ingresso na carreira docente. Sobre o assunto, mantenho como referência o artigo 22.º do Estatuto da Carreira Docente e os decretos regulamentares n.º 3/2008, de 21 de Janeiro, e nº 27/2009, de 6 de Outubro.
Este último dispensa da realização da prova os candidatos que cumulativamente: (a)contem pelo menos quatro anos completos de exercícios docentes, (b) que um desses anos tenha sido prestado nos quatro anos escolares anteriores ao da realização da primeira prova e (c) tenham obtido avaliação de desempenho igual ou superior a ‘Bom’. Para além destes, são dispensados da realização da prova os candidatos que tenham obtido avaliação de desempenho igual ou superior a ‘Muito Bom’ em data anterior à realização da primeira prova. Portanto, todos os novos diplomados candidatos à docência terão de se submeter à prova de ingresso.
A relevância desta prova parece ser incontestável. No entanto, pode tornar-se num episódio isolado e pouco significativo se não tiver impacto na formação inicial e contínua dos professores e educadores (FIPE), no percurso futuro do jovem docente e na afirmação profissional pessoal e colectiva.
A prova surge, em primeiro lugar, como garantia para a entidade empregadora de quem se espera que escolha os candidatos com as disposições e competências para desempenhos de qualidade numa área que diz respeito a toda a colectividade. Espera-se, portanto, que seja adequada e útil e que constitua, de facto, mais um meio de reconhecimento da qualidade do candidato, para além da sua certificação académica. Deverá desafiar melhorias na qualidade da formação inicial, na iniciação e no percurso profissional futuro do jovem professor. Deverá ter significado no acesso formal dos novos professores ao contexto real da acção, abrindo novas possibilidades ao seu desenvolvimento profissional. Como outras formas de iniciação profissional, pode constituir parte de um rito de passagem com as características e o peso que tais ritos têm nas representações individual e colectiva, com reflexo na sua aceitação pelos pares e pela comunidade e, por isso, mais um meio de afirmação do seu estatuto e da profissão docente.
Nas actuais circunstâncias, parece fazer sentido a necessidade de uma prova de ingresso. Para quem tem estado envolvido na FIPE, é uma evidência que a qualidade dessa formação não tem, em todas as instituições, os níveis desejados. A consolidação de um sistema credível de acreditação virá certamente contribuir para a realização de tais níveis de qualidade em todas elas. Também as provas de ingresso – se adequadamente elaboradas – poderão constituir referências para que as instituições de FIPE melhorem a qualidade dos currículos e das práticas de formação. Sendo essas provas o passaporte no acesso ao mercado de trabalho dos seus diplomados, as escolas de formação ajustarão, inevitavelmente, alguns dos seus critérios de formação pelas características de tais provas. A prova de ingresso poderá constituir mais um pretexto para reconsiderar procedimentos no acesso aos cursos de FIPE e estabelecer pontes mais autênticas entre o espaço de formação e o espaço do desempenho profissional.
Refiro-me, em concreto, à necessidade do estabelecimento de critérios específicos para a candidatura aos cursos de FIPE e da criação de mecanismo de indução profissional dos estudantes-professores e/ou dos novos diplomados. A ausência de um processo específico de selecção na candidatura aos cursos de FIPE constitui um factor que afecta o processo e os resultados da formação inicial de docentes. Apesar das significativas mudanças ocorridas nas últimas décadas na FIPE, a profissão docente é ainda, em muitos casos, uma segunda escolha, contribuindo para manter a ideia, ainda prevalecente, de que pode ser professor quem quer. Estou com Nóvoa quando afirma, numa recente entrevista a esta revista, que “é urgente introduzir um recrutamento mais individualizado que permita perceber as inclinações e as disposições de cada um para o ensino. É preciso criar as condições para que os melhores alunos do ensino secundário escolham a profissão docente”.
Embora sendo uma condição desejável para a melhoria da formação, ela tem vindo a ser adiada. Na situação actual parece mesmo haver novas resistências. Acentuou-se a competição entre instituições formadoras, na procura de clientes. A selecção com base na disposição e na qualidade dos candidatos no acesso aos cursos colide com lógicas (politicas, administrativas, financeiras, de sobrevivência institucional e pessoal, etc.) estranhas a critérios de qualidade formativa. Na actual estrutura dos cursos de FIPE, em 2 ciclos, a entrada no 2.º ciclo, poderia constituir o momento para realizar tal selecção, salvaguardando, no entanto, alternativas profissionais e/ou de continuidade formativa para os candidatos não admitidos. O facto de o 1.º ciclo – licenciatura em Educação Básica – não assegurar qualquer formação profissionalizante específica deixa aos candidatos não admitidos poucas ou nenhumas alternativas, senão ingressarem em formações de 2.º ciclo.
A prova de ingresso é, de facto, uma nova condição–chave, exigida pelo empregador, para que os novos entrem na arena profissional. Esta exigência deve implicar compromissos por parte da entidade empregadora, de modo a que o novo docente seja acolhido e acompanhado numa estrutura formativa com apoio e supervisão que assegure um processo de indução na nova realidade profissional.

Carlos Cardoso


  
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