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Manuais escolares: o próximo passo

Em época de especiais dificuldades económicas, é ainda mais chocante a autêntica extorsão a que são submetidas, no início de cada ano lectivo, as famílias que têm crianças a estudar. Por isso, são de saudar todas as diferentes iniciativas que permitem que os manuais escolares sejam fornecidos gratuitamente a alguns estudantes do ensino obrigatório mais carenciados.

Há, porém, um passo em frente que merece ser ponderado e que permitiria a gratuitidade imediata e generalizada: o abandono da edição dos manuais escolares em livro e a passagem ao formato digital, a ser posto à disposição de todos por download gratuito. Vejamos as vantagens e desvantagens desta opção.
Hoje em dia, todos os manuais são feitos em formato digital, antes de passarem à fase de impressão. Logo, a versão digital já existe e para ser disponibilizada poderá, quando muito, ser necessária uma simples conversão para o formato mais adequado.
Os manuais digitais seriam altamente vantajosos em termos ambientais e económicos: poupava-se em papel, tintas e vernizes, em sucessivos transportes de matéria-prima até à empresa gráfica, de produto acabado desta para o armazém, depois para as distribuidoras e para as livrarias e espaços comerciais; poupavam-se as deslocações dos compradores para os pontos de venda; poupava-se ainda em espaço de armazenamento e na reciclagem das sobras.
E poupavam-se as costas das crianças, que prejudicam a sua saúde carregando diariamente toda uma série de pesados volumes, dos quais apenas precisam, para cada dia, de umas escassas páginas.
Por outro lado, o formato digital permitirá aos autores dos manuais fazerem, na hora e sem custos industriais, toda a actualização ou correcção que entendam útil introduzir, o que hoje ou não acontece ou gera enormes custos e desperdícios.
É claro que a passagem para o formato digital implica uma generalização do acesso aos computadores. Mas a generalização deste acesso nas escolas e nas famílias é um objectivo nacional inadiável. Há que notar que o valor do investimento necessário para que cada estudante disponha de um computador simples, a preço controlado, pode ser inferior ao preço de venda dos manuais que ele utiliza ao longo de cada um dos ciclos do ensino obrigatório. Com a grande diferença de que o computador serve para muitas outras coisas para além do mero trabalho escolar, permite aceder a um mundo enciclopédico de informação e não vai ser deitado fora no fim do ano lectivo. A curto prazo, esta solução ter-se-á revelado mais económica do que a actual.
Os manuais digitais incluirão certamente fichas de trabalho que poderão ser preenchidas no próprio computador ou impressas para serem preenchidas em papel, como as actuais. E qualquer parte do texto poderá também ser impressa por quem preferir ler em papel. O que permitirá que os alunos transportem apenas as folhas necessárias em cada momento.
Poderá argumentar-se que se estaria a desincentivar nas crianças o gosto pelos livros. Não me parece. Uma parte substancial da leitura que hoje fazemos na vida profissional, qualquer que seja a nossa profissão, já não utiliza a forma de livro, e não deixa de ser leitura, nem os conteúdos passam a ter menos valor por causa disso. Não há nenhuma razão para que na Escola não se passe o mesmo. Por outro lado, quem conheça o tipo de afecto que os estudantes geralmente devotam aos manuais escolares e o destino que lhes dão no fim do ano lectivo, saberá que não há nenhuma vantagem em que um dos seus primeiros contactos com o mundo dos livros seja marcado por esta relação. Pode até revelar-se contraproducente na criação de uma relação duradoura e mais encantada com a leitura e com os livros, que são objectos com que podemos estabelecer relações fortes, que podem durar uma vida inteira.

Renato Soeiro


  
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