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Bolonha: pessimismo ou realismo?

«O que está por detrás de Bolonha são os problemas dos salários europeus muito elevados, agravados pelo que resta do sistema do Estado/Providência, os quais prejudicam a posição da Europa na nova economia global».

Como se sabe, o processo de Bolonha surgiu na sequência da Declaração da Sorbonne (1998), onde se lançou «a ideia da criação de uma Área Europeia de Ensino Superior como um mecanismo para promover a mobilidade de alunos e docentes, a empregabilidade dos cidadãos europeus e o desenvolvimento económico e social da Europa» (Amaral, 2005: 40).
A convergência de objectivos curriculares, assegurada por um sistema de créditos transferível de país para país é, antes de tudo, como veio a ser proclamado por Bolonha, um instrumento poderoso de mobilidade cujo sentido pleno não deve, porém, deixar de se associar à «empregabilidade dos cidadãos europeus», empregabilidade esta, doravante, cometida à responsabilidade pessoal dos estudantes.
De facto, a associação entre mobilidade e empregabilidade no mesmo contexto semântico em que emerge a preocupação com o desenvolvimento económico e social da Europa faz todo o sentido se for entendida como portadora de uma intencionalidade política onde o propósito central é o de induzir uma relação instrumental entre mobilidade e empregabilidade, como se uma parte importante da formação patrocinada pela União Europeia fosse desempenhada pela via da mobilidade, corporizada em programas como Sócrates e Erasmus. Crê-se, assim, que o principal «mérito» da mobilidade reside nos seus efeitos ideológicos no sentido de fidelizar a este modelo europeu um conjunto de quadros técnicos, científicos e políticos que, não obstante o seu reduzido número[1], significam um importante papel de enquadramento social.
Tenha-se em conta que este modelo europeu que está em processo de construção desde a Conferência de Lisboa, subordinada à consigna «sociedade do conhecimento» implica uma aproximação gradual ao modelo social americano, não obstante a sua ambição declarada ser a de se tornar a sociedade mais competitiva do mundo. Só que isso implica, necessariamente, uma profunda revisão de direitos sociais dos europeus e uma  significativa alteração dos padrões de referência actuais que passa, claramente, pela própria filosofia e estrutura da formação europeia.
Como diz Amaral (o.c.:41), «o que está por detrás de Bolonha é o problema da competitividade europeia num sistema globalizado e não a criação de uma área de ensino superior competitiva. O que está por detrás de Bolonha são os problemas dos salários europeus muito elevados, agravados pelo que resta do sistema do Estado/Providência, os quais prejudicam a posição da Europa na nova economia global».
É nesta perspectiva que se deve encarar a redução do ensino superior geral a um ciclo de três anos, a adopção de um modelo curricular comum, um sistema de créditos transferível, bem como as medidas de uniformização curricular de que é típico o documento imperativo «Descritores de Dublin», exemplar emblemático de um modelo de curricularização universal «pronto-a-vestir» a que todas as universidades se devem sujeitar, mesmo que se declare, como faz o Comunicado da Conferência de Berlim, que o sistema de ensino superior europeu se baseia na diversidade dos perfis académicos. Que diversidade é essa, porém, se a própria letra dos Descritores de Dublin assume expressamente que «para a elaboração destes perfis é essencial que se definam “descritores generalizados de qualificação” (que servirão de base à elaboração de uma “estrutura europeia de qualificações”) e que o programa de estudos se baseie numa definição clara de conhecimentos, competências, atitudes e valores a adquirir em cada grau?
Não se tratará, antes, de um estratagema discursivo que visa homogeneizar formalmente toda a formação superior europeia, fazendo tábua rasa das suas especificidades locais, como condição de aplicação de um modelo universal de avaliação com as respectivas consequências: eliminação dos «incompetentes»?

Manuel Matos

  • Amaral, A. (2005). Bolonha, o ensino superior e a competitividade económica. In Serralheiro, J.P., Org. de, O processo de Bolonha e a formação dos educadores e professores portugueses. Porto: Profedições.

[1] Como é sabido, é bastante insignificante o  universo de estudantes que aproveitam da  oportunidade  do Erasmus. Basta saber que, de 2000 a 2007, o nº de estudantes portugueses que participou no Erasmus é inferior a uma média de 4.000 por ano.


  
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