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Diferentes tempos e mesmos carinhos

Será que as escolas de tempos idos podem ser qualificadas como melhores que as de hoje? O que as fariam melhores? O que havia nelas que não há nas de hoje...?

Uma frase muito comum, em conversa de professores mais antigos, é “no meu tempo...”, em que as reticências, normalmente, são os muitos elogios a uma escola melhor, mais eficiente, em que alunos e professores eram mais responsáveis, em que havia mais integração com as famílias... e por aí vai. Mas será que as escolas de tempos idos podem ser qualificadas como melhores que as de hoje? O que as fariam melhores? O que havia nelas que não há nas de hoje para que essas afirmativas possam ser verdadeiras?
Poderiam ser os valores morais, por exemplo. Poderia ser a maior obediência dos alunos e uma maior autoridade dos professores. Poderia ser um monte de coisas, mas não sei se essas marcas são tão diferentes assim. Eu venho de uma escola primária dessas antigas e não a vejo como tão diferente da escola em que, hoje, minhas filhas [6 e 8 anos] estudam[i]. Há diferenças, evidente que há diferenças. Há, nas escolas de hoje, na maioria delas, algumas coisas de que não gosto; mas, com certeza, havia, nas escolas dos anos 1950 [essa temporalidade é totalmente arbitrária e se presta, tão somente, a marcar a concretude de dois tempos da minha experiência, a primeira como aluno e a segunda como pai], muitas coisas de que minhas filhas não gostariam.
Essas duas imagens me fazem pensar que nossas reflexões sobre as escolas podem tomar um rumo que não seja o de registrar as diferenças pelo viés dicotômico de um BOM e outro MAU. Mais ainda, não me seduz a idéia de marcar passo na perspectiva negativa das escolas, ou seja, olhá-las pelo que têm de ruim [melhor dizendo, do que cada pessoa acha que é ruim].
Nos meus anos de primário, de ginásio e de científico [Hoje, a nomenclatura é bem diferente], não tínhamos computador, tínhamos a lousa; nossa tecnologia principal de registro de conhecimentos era o caderno e nossos estudos se faziam, basicamente, pelos livros. Que pena que, naquele tempo, ainda não havia computadores em sala de aula, e pena mesmo, porque a minha letra, no Word, é linda, e, quando escrevo à mão, salvo grande esforço que gasta um tempo enorme, nem eu mesmo consigo ler o que escrevo.
Mas, é claro, não precisamos dessa pessoalidade para ver que, nas duas imagens, as duas professoras estão ajudando seus alunos a escrever [amplie-se, aqui, a noção de escrita]; e eu arriscaria a dizer que uma na lousa e outra no computador, mas com os mesmos carinhos.
Quando penso nas coisas de que não gosto da escola das minhas filhas [simbolizando as escolas atuais, mas guardando, sempre, a compreensão de que todas as escolas são diferentes], lembro, também, das coisas de que não gostava da minha escola [simbolizando as escolas daquela época que, também, eram todas diferentes]. Vejo, na escola das minhas filhas [idem], muitas coisas de que gosto, e fico recordando as coisas de que gostava na minha [idem]. Penso nas minhas quase-todas-mortas professoras e nas importâncias que cada uma delas teve na minha formação e, conversando com minhas filhas sobre a escola em que estudam e sobre as professoras que têm, percebo que, cada uma delas, à sua maneira, vai marcá-las também. Isabelle, filha mais velha, que está no 3º ano, nem pensa em sair da escola, e fica mesmo emocionada quando tento explicar que ela terá que, daqui a certo tempo, estudar em outra. Eu me lembro de que não queria sair da minha escola primária; mas, depois, também não queria sair do ginásio; como, depois, não queria sair do científico. Acho que só quis sair mesmo da universidade, e dela nunca consegui sair. Agora, também não quero sair dela e, breve, terei que deixá-la.
São diferentes tempos, diferentes escolas e carinhos muito parecidos.

[i] Como eu, nos anos 50 do século passado, minhas filhas estudam numa escola pública municipal.

Paulo Sgarbi


  
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