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Alunos, fora! Aprender em outros espaços-tempos

Lá se vão quase duas décadas, mas uma boa história não só pode como deve ser contada várias vezes, pois sempre terá sua atualidade.

 

A fotografia não nega a possibilidade! Um grupo de alunos e alunas então adolescentes, junto com o professor de História, circula pelas ruas do centro histórico do Rio de Janeiro, no feriado de 1º de maio de 1992, numa atividade curricular extra-classe, (re)descobrindo múltiplos espaçostempos (Alves, 1999) – passadospresentes de sua cidade.

Mas será apenas isto que essa imagem pode nos revelar? Uma fotografia contém evidências (Burke, 2004) que possibilitam a criação de uma infinidade de narrativas, que podem se explicitar pelo que ela própria nos dá a ver, no sentido literal consagrado pela modernidade – a visão, mas também nas/pelas histórias das personagens que se encontram nela retratadas. É possível criar-se narrativas a partir da história da produção da própria foto, assim como das histórias de quem a fotografou.

Não podemos descartar outras oportunidades para criação de narrativas, como as que podemos extrair a partir das redes de sentidos que elas produzem junto aos seus proprietários e/ou receptores anônimos, quer por meio de lembranças e histórias de afetividade em relação ao guardado, quer pela relação de curiosidade anônima que nos aproxima ou afasta de uma imagem e que, por vezes, nos permite indagações múltiplas: – quem são essas gentes? Por que estão aí? O que fazem no que se dá a ver? Se são alunos e alunas, por que se apresentam sem a hierarquia e outras formalidades como os uniformes, por exemplo, que buscam disciplinar o espaço escolar? (Foucault, 2000).

Que história pretendo narrar, entre as diversas que posso criar a partir desta foto? Trabalhei como professor de História, no Colégio de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira – o CAp-UERJ –, com quase todos esses alunos e alunas de classe média, entre 1987 e 1989, em turmas da 5a a 7a séries. Após uma breve separação, reencontramo-nos em 1992 quando cursavam o 2o ano do ensino médio. Viviam as pressões e expectativas para o ingresso na Universidade. Estavam irreconhecíveis e não demonstravam mais serem aquelas crianças felizes e criativas que conheci durante três anos e com as quais partilhei saberes e fazeres, alegrias e criatividade. Encontravam-se, literalmente, estressados pelo nível de cobranças de todos os lados: institucional, familiar, social e pessoal com a proximidade da competição neurótica que se estabelece entre os jovens desta faixa etária, às vésperas do ritual de iniciação dos exames vestibulares, associados ao aumento da testosterona nos rapazes.

Os atritos constantes entre eles e o corpo docente criavam situações limites. Qualquer exigência, cobrança, trabalho individual ou coletivo, ou mesmo uma solicitação mal interpretada era motivo para desencadear atitudes hostis de ambas as partes, redundando num estado permanente de tensão, conflito, insubordinação e (in)disciplina no sentido clássico do que um professor ou professora espera do aluno ou aluna em sua sala de aula.

Tomando como mote a situação de que ora um, ora outro era colocado para fora da sala de aula na disciplina A ou B, resolvi colocar todos de uma só vez para fora da sala de aula, numa atitude que buscava, por um lado, a crítica a esse estado de coisa e por outro, acenava com a possibilidade do reconhecimento de que há muito para se aprender para além dos limites escolares enquanto espaço- tempo institucionalizado, como o do ensino/aprendizagem.

“Alunos, Fora!” representou uma atitude de protesto e ironia diante das exigências formais do contexto que exigia daqueles jovens a negação da alegria, da criatividade e do prazer de aprender sem as amarras de uma funcionalidade, de um utilitarismo, enfim de uma finalidade. Aprender pelo prazer de aprender, descobrindo a História onde ela efetivamente ocorreu. Naquele ano, praticamente todas as nossas atividades tiveram esse caráter: o de propor que “Fora da Escola também se aprende” os conteúdos escolares.

Dirceu Castilho Pacheco
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Grupo de Pesquisa Redes de Conhecimentos em Educação e Comunicação: questões de cidadania.
Laboratório de Educação e Imagem.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALVES, Nilda. Espaço e tempo de ensinar e aprender. In: CANDAU, Vera Maria

(Org). Anais do X ENDIPE – Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP&A, 2000: 21-33

BURKE, Peter. Testemunha Ocular – História e Imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2000.


  
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