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Twin Peaks – A cidade dos donuts

Tudo começa com uma cara triste. A de Josie, chinesa deslocada em Twin Peaks, maquilhando-se de manhã. Uma mulher ao espelho abre uma série que se fechará sobre a face terrífica de Dale Cooper e do seu duplo no vidro de um quarto de banho. Josie volta-se sem razão aparente para nós, como Cooper se voltará para nós rindo. Mas o olhar de Josie não se dirige realmente a nós, pára no lago onde o bom Peter Martell vai pescar e onde vai descobrir o corpo de Laura Palmer. Josie volta-se como se soubesse que “alguma coisa” está para acontecer. Ela não é uma adivinha, simplesmente o seu gesto é comandado pelo drama. Para a cena, para o episódio, para a série inteira, é um pressentimento.

David Lynch criou “Twin Peaks” com Mark Frost, argumentista de “Hill Street Blues”, não um grande filme feito para o pequeno écran, mas uma série de televisão. Uma “soap opera” magnética e aberrante, onde a maior parte dos episódios são obra de pequenos soldados mais ou menos anónimos. Mergulhando nos códigos e usos da televisão, Lynch pintou de branco o efeito TV. Não há nenhum equivalente televisivo a “Twin Peaks” e apesar desta anomalia não poderia ser criada para outro meio. É pois uma incandescência que é necessário reencontrar.

Mas talvez seja tempo de fazer uma pequena apresentação. Laura Palmer foi assassinada numa cidade perto da fronteira canadiana. O agente especial do FBI, Dale Cooper (Kyle MacLachlan) é mandado para investigar. Ele constrói o inquérito sobre os seus sonhos e visões - como se vê, nada mais Lynchiano – enquanto na cidade se desenrolam dezenas de intrigas e maquinações: crianças mágicas teletransportam milho, a vida no escritório do xerife parece tirada de uma “sitcom”, os pássaros não são aquilo que parecem e um gigante ajuda a desmascarar Bob, um bruto que veio de um universo paralelo cuja entrada é indicada por um par de sicômoros.

Quando em 1989 Lynch realiza o episódio piloto, não faz a mínima ideia até onde irá a série, quando acabará e como. Ignora que vai tocar o público mais largo da sua carreira. Melhor, o sucesso planetário de “Twin Peaks” acompanha os primeiros passos da internet, onde se tornará um dos primeiros objectos de culto. A lenda diz mesmo que ele e Frost irão mesmo buscar ideias aos fóruns de discussão consagrados à série, um dos primeiros de grande envergadura.

“Twin Peaks” ultrapassou a léguas os seus modelos “Dallas”, “Santa Bárbara”, e abriu uma nova era na ficção televisiva. Lynch abandonou a série na segunda parte, para ir fazer Nicholas Cage andar sobre capots de carros, em “Sailor and Lula”. Ameaçada, a série entrará em declínio, Lynch voltará ao lugar do crime para dar ao tele-espectador o final mais doloroso da sua carreira. Regressará uma segunda vez a Twin Peaks , para um filme, desta vez “Fire Walk With Me”(1992), uma prequela que descreve os últimos dias de Laura Palmer: volta-se sempre a “Twin Peaks”, nunca se consegue abandoná-la.

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Fontes Pereira de Melo. Porto


  
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