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Educação vs Escolarização (I)

Invocando o conceito de educação criadora, explorado sumariamente em artigo anterior, enquanto processo complexo que envolve diferentes contextos sócio-culturais e abrange uma multiplicidade de acontecimentos que ajudam a formar o indivíduo, podemos afirmar que nos primórdios do século XXI, mais do que nunca, as questões ligadas à educação dizem respeito, e despertam o interesse, a um cada vez maior número de pessoas e instituições. Para tal, torna-se fundamental que “tenhamos em conta o conceito alargado de Educação

[…] Actualmente as Ciências da Educação já não são ciências «à revelia», mas ciências que encontram uma especificidade científica própria, múltiplos campos de intervenção pertinente, com implicações nos mais diversos domínios” (Boavida e Amado, 2006: 362). No contexto português, no decurso das últimas décadas, as Ciências da Educação atravessaram um período de expansão, tendo este desenvolvimento trespassando para as áreas vitais do sistema educativo. Actualmente, a grande parte das investigações em curso estende-se “à formação profissional, à formação de adultos, à educação permanente, à educação comunitária, à animação cultural, ao apoio aos estudantes, à educação especial e às dificuldades de aprendizagem, etc.” (Boavida e Amado, 2006: 362).

Partindo do princípio que a educação abrange todas as possibilidades educativas e acontece em diferentes contextos de socialização no decurso da vida (interacções familiares, dos grupos de pares, laborais, associativas, políticas, culturais, escolares; a Internet; os media; no fundo, a sociedade em geral) ela não deverá ser redutoramente confinada à Escola. Na óptica de Adalberto Dias de Carvalho, “o objecto «Educação» extravasa cada vez mais o âmbito escolar restrito para se relacionar, não só com todas as influências que a sociedade, através das suas estruturas culturais, económicas e ideológicas, exerce, directa ou indirectamente, sobre os indivíduos (e vice-versa), mas também com a evolução auto-estruturante que sofre cada um desses indivíduos na sua progressão desde o nascimento até à morte” (Carvalho, 1988: 79). Todavia, parece claro que a constituição do modo de socialização escolar como modo de socialização dominante, e tendencialmente hegemónico, supôs a desvalorização dos modos de socialização paralelos. Educação não é sinónimo de escolarização.

Mas, a verdade é que a Escola tem sido tradicionalmente vislumbrada como o lugar por excelência de transmissão de saberes, de aprendizagem, de ensino do património e do conhecimento acumulados pela humanidade e por cada cultura de referência. De facto, “o educando é idealizado pela ideologia vigente e, na prática, pretende-se enformá-lo pelo sistema educativo, através da instituição formal que é considerada a escola” (Vieira, 1999: 349). É na Escola que parecem depositar-se as maiores esperanças sociais no que concerne à formação dos indivíduos. Porém, “todas as aprendizagens inscritas no decurso da vida de um indivíduo começam muito antes da entrada na escola” (Vieira, 1999: 349) e muito depois da saída desta, e “as situações educativas já não podem actualmente dizer respeito unicamente a um [...] professor perante um grupo” (Mialaret, 1999: 16).

Neste sentido, e tendo em conta a sociedade em que vivemos, a educação escolar não deveria ser considerada como o espaço mais significativo onde o processo educativo acontece, nem tão-pouco a única instituição responsável pelos processos de formação pessoal, pela formação das identidades, pela construção dos projectos de vida de cada um. Ela é um espaço entre outros. A hegemonia levada a cabo pela própria Escola levou à desvalorização de “todos os saberes que não são ensinados por profissionais e, portanto, […] do processo educativo como um trabalho que o educando realiza sobre si próprio, em interacção com os outros e com o mundo, a partir do seu património experiencial” (Canário, 2005: 192). Ainda que o sistema escolar formal assuma uma maior visibilidade e importância nas sociedades, sem excepção para Portugal, percebemos que a vida fora da escola é ela própria um significativo espaço de educação, de aprendizagem, de adaptação, de (re)construção, de (re)invenção.

(a continuar)

Maura Mendes
CIID – Instituto Politécnico de Leiria

 

BIBLIOGRAFIA

BOAVIDA, J. e AMADO, J. (2006) Epistemologia, Identidade e Perspectivas, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.

CANÁRIO, R. (2005) O que é a Escola? – Um “olhar” sociológico, Porto: Porto Editora.

CARVALHO, A. D. (1988) Epistemologia das Ciências da Educação, Porto: Afrontamento.

MIALARET, G. (1999) As Ciências da Educação, Lisboa: Livros e Leituras.

VIEIRA, R. (1999) Histórias de Vida e Identidades – Professores e Interculturalidade, Porto: Afrontamento.


  
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