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Escola e consumo

São cada vez mais numerosos os analistas da contemporaneidade que nos alertam para o caráter central do consumo nas sociedades do presente. Pensadores renomados como Fredric Jameson e Zygmunt Bauman, e também os latino-americanos Garcia-Canclini e Beatriz Sarlo, para citar apenas alguns, consideram o consumo como o mais poderoso marcador identitário da pós-modernidade. Segundo eles, na vida organizada em torno do consumo, as pessoas são vistas primariamente como consumidoras e não como produtoras.

O que as move não é mais a necessidade, mas o desejo. Algo volátil, efêmero, caprichoso e insaciável. Grande parte das ações nas sociedades pós-modernas de hoje estão voltadas para orientar o desejo, não na forma de pura regulação, mas de incentivo à fantasia, ao gosto, aos cuidados consigo mesmo. Despertar e canalizar o desejo para certas direções pretendidas, produzindo sempre novos consumidores, requer conhecimentos especializados de última geração, verdadeiras expertises que têm em vista estimular, dirigir e governar o desejo e as práticas de consumo. Tarefa difícil e dispendiosa, face ao caráter mutante tanto dos desejos como da dinâmica interna do próprio desejo. Hoje já se fala de um sujeito obcecado por adquirir, que já descarta o desejo e apenas “quer”. Talvez a melhor expressão para falar desse fenômeno seja consumismo.

Bauman (2007) diz que “O consumismo não se refere à satisfação dos desejos, mas à incitação do desejo por outros desejos, sempre renovados – preferencialmente do tipo que não se pode, em princípio, saciar.” Nem se chega a consumir o que é adquirido, e já o descarte leva a novos atos de compra. Nesse cenário de exacerbação do consumo, que está a transformá-lo, inclusive, em problema de saúde psíquica, emocional, Richard Sennet (2006) esclarece que as novas formas de consumo já não se assentam sobre a possessividade . E Bauman (2007) completa afirmando que “um desejo satisfeito seria também o prenúncio de uma catástrofe iminente.”

Exponho esses traços da sociedade de consumo para instigar os leitores e leitoras a pensarem um pouco sobre o enredamento da escola nesta trama. Já faz um bom tempo que alguns autores da área da educação vêm denunciando a mercantilização da escola e sua inequívoca conexão às políticas neoliberais regidas pela atenção primordial às movimentações do mercado. Tal faceta é visível tanto nas estratégias de marketing que transformaram a própria educação em mais uma commodity lucrativa a circular nas sociedades de hoje, como na transformação dos espaços escolares em verdadeiros shopping centers onde se pode encontrar de tudo, de cabeleireiros a locadoras de vídeo, agências bancárias, livrarias e boutiques. Não são poucas as escolas com griffes próprias, onde camisetas, uniformes, cadernos e mochilas com sua logomarca estampada fazem parte do “pacote” a ser adquirido pelo aluno-cliente. Indiscutivelmente, o espaço escolar transformou-se em um rentável negócio.

A meu ver, contudo, a face mais crítica desta colonização da escola pela economia e pelo mercado é que as crianças e jovens que lá chegam já estão totalmente capturadas pelas malhas do consumo. O alfabetismo dirigido ao consumo inicia-se já em casa, em frente à televisão e nos teclados dos computadores. O marketing televisivo começa a operar suas pedagogias de sedução e deleite para formar clientes quando estes ainda usam fraldas. Por sua vez, e a seu tempo, fantásticas e solitárias viagens virtuais levam as crianças ainda pequenas a passear por verdadeiros impérios mercantis, onde operações financeiras são trivializadas e convertidas em passes de mágica: desejou, comprou! Antes das crianças entrarem na escola, as corporações empresariais já fizeram seu trabalho. Às escolas parece caber apenas administrar estes eus transbordantes de desejos supérfluos, inebriantes, descartáveis e infinitamente renováveis. Mais do que uma difícil tarefa, eis um novo e imenso desafio que se apresenta às professoras e aos professores destes tempos – enfrentar o consumismo e educar o consumidor-cidadão. Será isto possível? Teríamos alguma chance? Ainda há tempo?

Marisa Vorraber Costa
Professora da Universidade Luterana do Brasil e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Pesquisadora do CNPq – Brasil


  
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