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48% das crianças e jovens refugiados sem acesso à educação

Em vésperas de um novo ano letivo e de se assinalar mais um Dia Internacional da Literacia, a Portugal com ACNUR – parceira nacional da Agência da ONU para os Refugiados – revela, em comunicado, que perto de cinco milhões de crianças e jovens refugiados em todo o mundo estão privados do direito à educação e enfrentam um maior risco de pobreza.

Segundo o ‘2022 UNHCR Refugee Education Report’, entre os mais de dez milhões de crianças e jovens refugiados em idade escolar (entre os 5 e os 17 anos) apoiados pelo ACNUR, quase metade (48%) não frequentam qualquer estabelecimento ou programa de ensino. Avança o relatório que esta é uma consequência direta da fraca qualidade da educação e da dificuldade de acesso a escolas e universidades a que milhões de deslocados em todo o mundo estão sujeitos.

“Algo particularmente complexo num contexto de grande vulnerabilidade como o que estas crianças e jovens enfrentam, onde a escola é muito mais do que um mero local de aprendizagem. É um espaço de segurança, integração e estabilidade”, explica Joana Brandão, diretora nacional da Portugal com ACNUR, em nota de imprensa.

De acordo com os dados mais recentes do ACNUR, 68% das crianças refugiadas frequentam a escola primária, mas apenas 37% dos jovens refugiados integram o Ensino Secundário e só 6% têm acesso a oportunidades de Ensino Superior. Refere a Portugal com ACNUR que, com os números recorde de pessoas deslocadas à força dos últimos anos, são cada vez mais as crianças e jovens refugiados que se veem privados de oportunidades de educação.

“Uma vez perdido o acesso à educação, não é fácil recuperá-lo”, alerta Filippo Grandi, Alto Comissário da Agência das Nações Unidas para os Refugiados, explicando que “mais de quatro em cada cinco refugiados vivem em países de baixo e médio rendimento e mais de um quarto está deslocado nos países menos desenvolvidos do mundo”. Em contextos tão desafiantes como estes, acrescenta o responsável, “alguns jovens alunos podem simplesmente não ter uma escola para onde ir. Outros têm de equilibrar o custo dos livros, dos artigos de papelaria, dos transportes e das propinas com o custo da alimentação, da consulta médica ou de manter as luzes acesas em casa”.

A Portugal com ACNUR adianta que este é um retrato preocupante de uma população já muito fragilizada e que acarreta consequências, como o aumento do risco de recrutamento de crianças para grupos armados, do trabalho infantil, da exploração sexual e do casamento infantil. Lembra ainda que milhões de crianças e jovens refugiados são deslocados durante todo o seu ciclo educativo, desde o Ensino Pré-primário até ao Ensino Superior.

Mais escolaridade, menos pobreza: a missão do ACNUR

Atualmente, apenas 90 mil jovens refugiados usufruem de formação superior, mas um dos grandes objetivos do ACNUR e dos seus parceiros nacionais é garantir que, até 2030, 15% dos jovens refugiados ingressam no Ensino Superior, em formações técnicas e profissionais ou outros programas educativos nos países de acolhimento ou em países terceiros.

Para isso, contam com o apoio crucial de vários programas de bolsas de estudo, como o DAFI (Albert Einstein German Academic Refugee Initiative), que ajudam a financiar o acesso ao Ensino Superior a estes jovens. Desde 1992, as bolsas DAFI já permitiram integrar no ensino superior mais de 21 mil jovens refugiados.

Mais anos de uma educação de qualidade são sinónimo de um melhor futuro, frisa a Portugal com ACNUR em comunicado. Por exemplo, cada ano adicional de escolaridade pode aumentar em 12% o futuro rendimento de uma jovem mulher, enquanto a taxa de pobreza global poderia ser reduzida em mais de metade se todos os adultos concluíssem o Ensino Secundário. Além disso, os adultos com níveis de escolaridade mais elevados vivem vidas mais saudáveis e mais longas, apresentam uma taxa reduzida de gravidez precoce, um menor risco de infeção por HIV e taxas de natalidade mais baixas.

Mas a missão do ACNUR enfrenta algumas barreiras, nomeadamente o número reduzido de estabelecimentos de Ensino Superior e de vagas disponíveis; a distância dos campus universitários e restrições de deslocação; o baixo número de estudantes que concluem o Ensino Secundário, em especial as raparigas; as propinas e taxas com valores elevados; as restrições aos cursos abertos aos refugiados; a falta de certificação académica necessária para a admissão; a necessidade de contribuir para a sustentabilidade financeira da família, que tem prioridade sobre o ensino superior; ou as limitações adicionais que afetam em particular a inscrição de mulheres refugiadas e jovens com deficiência.

Filippo Grandi acredita que só com uma educação inclusiva se poderão ultrapassar estas barreiras. “Precisamos de um enorme esforço coletivo para garantir que as crianças e os jovens refugiados sejam educados por professores qualificados e bem formados, utilizando currículos oficiais, atualizados e acreditados, com acesso a materiais de aprendizagem relevantes e de boa qualidade”, defende o Alto Comissário da ONU para os Refugiados.

Algo que só será possível, esclarece a nota de imprensa, com a integração destas crianças e jovens nos sistemas de ensino nacionais dos países de acolhimento, em vez de sistemas de ensino paralelos. Incluir as pessoas refugiadas nos sistemas educativos nacionais e tornar esses sistemas mais robustos é a única forma de responder tanto às suas necessidades educativas como às das comunidades de acolhimento, sublinha a entidade.

428 milhões de euros para garantir uma educação inclusiva em 2023

Para concretizar todas estas metas, o ACNUR estima que, só em 2023, irá necessitar de cerca de 428 milhões de euros. A maior fração deste montante destinar-se-á às operações da organização na região do Leste e do Corno de África e na região dos Grandes Lagos, onde são necessários cerca de 165 milhões de euros em 2023 para fazer face às necessidades das populações apoiadas, o que equivale a 38,6% do financiamento global total.

O financiamento tem como objetivo a melhoria do acesso à educação, requalificando as infraestruturas educativas e reforçando as capacidades dos professores e dos sistemas educativos. Esta meta de angariação global garante, para os diferentes níveis de ensino, o fornecimento de material escolar, transporte, construção e reabilitação de salas de aula, formação de professores, programas de ensino adaptados, apoio a pessoas com necessidades específicas, entre outras respostas de assistência e proteção.

O ACNUR alerta ainda que a incapacidade de assegurar este financiamento poderá ter consequências desastrosas para as perspetivas futuras das crianças e jovens refugiados. Com o financiamento atual e os recursos disponíveis no momento, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados apenas consegue cumprir 49% do orçamento para a educação, ficando por satisfazer necessidades na ordem dos 213 milhões de euros, com impacto nas crianças desde a primeira infância até ao ensino superior.

“Sem escola, sem professores, sem financiamento, sem bolsas de estudo, eu teria permanecido sem esperança”, declara Mary Maker, uma jovem que viveu no campo de refugiados de Kakuma, no Quénia, depois de ter fugido da sua terra natal ainda muito pequena. “Mas gosto de pensar que mostrei o que uma criança refugiada pode conseguir se lhe for dada a oportunidade – a mesma oportunidade que milhões de crianças não refugiadas têm naturalmente", conclui, orgulhosa. Atualmente, Mary é cofundadora do projeto educativo Elimisha Kakuma para estudantes refugiados neste campo apoiado pelo ACNUR no Quénia.

A garantia do acesso à educação é, por isso, uma parte essencial do trabalho do ACNUR e dos seus parceiros nacionais. “Todas as crianças têm direito a uma educação digna que lhes permita atingir o seu potencial, num sistema com materiais e infraestruturas adequados e professores com formação”, defende a diretora nacional da Portugal com ACNUR.

Com esta preocupação muito presente, avança Joana Brandão, “a Portugal com ACNUR tem agora a decorrer uma campanha de apoio à Educação, que visa sensibilizar e angariar fundos para garantir este direito básico. Neste início de ano letivo, recordamos os milhões de crianças que não podem ir à escola e pedimos o apoio possível para o trabalho do ACNUR nesta área”.

©UNHCR/Antonia Vadala


  
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