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Repensando a administração da escola pública

Quando se pensa em educação pública hoje, o que logo nos vem à mente é desorganização, desordem, falta de qualidade, etc. Por conta disso, alguns têm defendido que a escola deve adotar os princípios da gestão empresarial ? tendo como referência as fábricas -,  para que, então, ela alcance ?eficiência?. Porém, a questão não parece ser tão simples assim. Ela requer mais atenção.
Desta forma, interessa abordar o processo de administração da escola pública, focando as suas características e comparando-as com a administração empresarial, para que, assim, se perceba as suas diferenças e incompatibilidades, mesmo que se admita a existência de aspectos comuns a ambas, como a definição de horários, a utilização de fardamentos, a estruturação de turmas e turnos, etc.
Antes de mais nada, há que se assinalar que muitas das análises defendendo a adoção da gestão empresarial na escola, conforme os mecanismos administrativos  do mundo industrial, são feitas por pessoas que não estão inseridas no contexto educacional. Por assim ser, por vezes, são produzidas abordagens sem consistência analítica, desconhecendo-se a realidade escolar. De outra parte, é inegável que as escolas públicas enfrentam uma série de problemas, como a falta de condições para a realização do trabalho pedagógico, a escassez de recursos, os entraves burocráticos, etc. São situações que têm gerado um quadro de dificuldades para professores e alunos.
Mas, isto não é uma decorrência da gestão pública da educação, e sim um resultado das políticas neoliberais, conforme os propósitos irracionais do mercado capitalista. É assim, por exemplo, que se tem perdido de vista a formação dos sujeitos em sua complexidade/integralidade, preocupando-se apenas em instruir corpos e mentes para servir aos interesses neoliberais no mercado de trabalho.
Deste modo, tem-se algo, no mínimo, irônico, que pode ser traduzido da seguinte maneira: o ?quadro administrativo caótico? invocado pelos defensores da gestão empresarial como justificativa para a adotar nas escolas, é, na verdade, uma consequência da matriz político-ideológica na qual se origina essa proposta de gestão.
Talvez o respaldo encontrado pela proposta de se adotar os mecanismos de gestão do mundo industrial nas escolas seja resultado de, nas empresas, eles produzirem êxito. Contudo, se um empresário fosse gerir uma escola com esses mecanismos, por certo, que dispensaria um tratamento aos professores semelhantes ao dispensado aos operários e os alunos seriam vistos como produtos finais da linha de montagem.
Ora, a escola tem a sua especificidade, que a diferencia da fábrica. Na escola, por exemplo, lida-se com ?material humano?, que tem subjetividade, ocorrendo de, no processo de formação, as pessoas terem opiniões que devem ser levadas em conta; na fábrica, pelo contrário, lida-se com matéria-prima inerte, que pode ser manuseada sem que ela reaja, para que então as mercadorias sejam produzidas. 
Repensar a administração da Escola Pública, no sentido de ela superar os problemas que enfrenta, implica em considerá-la como um bem coletivo, pondo em evidência as responsabilidades do Estado e despertando na sociedade a cobrança para que ele as cumpra. Isto é, superar as dificuldades vividas pelo ensino público, não é algo que se consegue adotando-se o modelo de gestão do mundo industrial nas escolas, mas sim é uma meta que se atinge com a definição de iniciativas político-administrativas de forma endógena  e com a participação da comunidade escolar.
Está em causa, portanto, desenvolver um tipo de gestão escolar que entenda a educação como construtora de conhecimento, e não como uma indústria que submete as pessoas aos imperativos das máquinas e do mercado, desconsiderando a subjetividade humana. Isto leva a uma tecnocracia (empresarial) que descaracteriza a função social da escola, tornando-a refém da lógica mercantil capitalista.
Um elemento chave da referida gestão deve ser a participação, congregando as ações de todos os sujeitos que compõem a comunidade escolar, buscando uma autonomia efetivamente emacipatória, tanto do ponto de vista administrativo como da relação com o conhecimento. Trata-se, portanto, de um tipo de gestão que prioriza as sociabilidades, ao invés da regulação instrumental. 
Enfim, pode concluir-se que a escola precisa ter o seu próprio tipo de administração, de acordo com as suas especificidades, não se subordinando à lógica da gestão empresarial/industrial, como prega o neoliberalismo.

Nota: Este artigo foi elaborado a partir de um trabalho de investigação no âmbito da Área Temática Fundamentos Administrativos da Educação, na Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)/Brasil.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 161
Ano 15, Novembro 2006

Autoria:

Syham Kafka Vitorino de Oliveira
Professora do Ensino Fundamental, no estado do Rio Grande do Norte. Brasil
Syham Kafka Vitorino de Oliveira
Professora do Ensino Fundamental, no estado do Rio Grande do Norte. Brasil

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