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A escola e a (con)vivência

A escola contemporânea está, como sabemos, cada vez mais sob as luzes intransigentes do palco social. A relação triangular escola-aluno-família vai assumindo novas características que a dissociam dos jogos de poder concentrado, até há bem poucos anos, em apenas um dos vértices. A realidade multicultural das comunidades e, portanto, das escolas, exige uma crescente ordem de reformulação de teorias e práticas por parte de todos os agentes do ensino escolar, cujas áreas do conhecimento não se limitam, presentemente, ao professorado.
Perante o reflexo, cada vez mais nítido, dos mais variados problemas sociais no contexto escolar, os espaços de ensino formal das camadas mais jovens da população portuguesa têm vindo a receber novos profissionais com competências específicas na abordagem e gestão das fragilidades e das tensões que neles ocorrem. São especialistas na descodificação e na resolução dos problemas sociais – educadores e assistentes sociais, animadores socioculturais, psicólogos e outros Técnicos de Trabalho Social (TTS) que procuram intervir, também, enquanto mediadores sociopedagógicos, quando ocorrem situações de conflitualidade de valores fora do domínio de acção do professor.
E fora do domínio de acção do professor quer dizer que o docente ou tem vontade, mas não tem tempo; ou tem tempo, mas não tem vontade ou disposição para tal; ou nenhuma das duas, às quais se acrescenta, sobretudo, o facto de não ter formação na área do Trabalho Social, apesar de ser reconhecida, a alguns professores, uma capacidade indiscutível para lidar com os problemas dos seus alunos, encetando assim o caminho prático da mediação social e pedagógica “como uma estratégia educativa que permite uma melhor educação entre os espaços e tempos educativos formais, não-formais e informais” (Américo Peres em «In Memoriam Xesus Jares Rodríguez», APAP/CIID-IPL, 2010).
Na verdade, o esboço do papel de mediador sociopedagógico faz parte da condição de ser professor, ainda que, por estrita definição, não faça parte das suas funções profissionais. São os próprios professores que afirmam, frequentemente, que a função para a qual foram formados não é de pai nem mãe, nem de psicólogo ou assistente social. Estas parecem ser, aliás, as tarefas que mais consomem os seus horários de trabalho na escola dos nossos dias, onde crianças e jovens não conseguem identificar-se ou interiorizar como seus os parâmetros de comportamento que a escola para todos exige, criando situações difíceis de gerir, quer na sala de aula, quer noutros espaços escolares.
Normalmente confinado a situações especialmente problemáticas e em contextos organizacionais complexos, o papel dos TTS surge, agora, numa perspectiva que abrange um nível de intervenção mais precoce, tendo em vista uma acção mais concertada entre os agentes da comunidade educativa e entre estes e os recursos sociais disponíveis. No entanto, a chegada destes novos agentes educativos pesa de modos diferentes num território onde sempre existiram os mesmos actors principais. Se a sua integração é encarada, por alguns professores, como importante mais-valia, também é vista, por outros, como a ocupação de um lugar-comum que não trará mudanças significativas.
O desenvolvimento de um projecto escolar baseado na mediação  sociopedagógica merece ser visto como uma séria aposta na criação de diálogos, vínculos e colaboração entre todos os agentes da comunidade educativa. Para tal, será imprescindível uma abertura intelectual difícil de acontecer enquanto professores, TTS e famílias não estiverem em sintonia quanto às principais necessidades, diferenças culturais e modelos de intervenção mais adequados no contexto onde trabalham. Enquanto existir tolerância, em vez de entrega para com o outro.
(Con)viver é preciso. Entre diferentes nem sempre é fácil. A mediação sociopedagógica terá de passar por essa educação para a convivência (Xesus Jares, «Pedagogia da Convivência», Profedições, 2007).

 

Ricardo Vieira

Instituto Politécnico de Leiria

Tânia Silva

Bolseira de Investigação no CIID-IPL


  
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Edição:

Edição N.º 189, série II
Verão 2010

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