O que parece importante discutir é o modo como as escolas, concebidas como organizações de facto e também de direito, podem participar no processo de resistência afirmando-se como locais de discussão e de concepção de políticas educativas.
Uma organização com esta característica é como se não existisse enquanto tal, pelo menos de um ponto de vista formal. Como Bártolo Paiva Campos referia em finais de 2006, em Portugal só existe uma escola, cuja sede é em Lisboa e o director é o ministro, fundamentando esta ideia no facto das organizações que todos reconhecem normalmente como escolas não possuírem personalidade jurídica. Esta situação, se bem analisada, tem implicações bastante claras no modo como podem intervir na sociedade, sendo-lhes praticamente vedadas quaisquer veleidades de produzir políticas próprias e de manifestarem os seus pontos de vista face aos problemas sociais em geral e aos educativos em particular. Se quisermos fazer um esforço para identificar documentos que traduzam essa tomada de posição, de questionamento social, político ou educativo ou outro posicionamento qualquer, verificamos facilmente que esses documentos não abundam. Pessoalmente, não os conheço. Ao longo dos últimos anos, as escolas e os professores têm vindo a ser objecto de um ataque objectivo e, de certo modo, sem precedentes no Portugal democrático, por parte de um governo que alia, simultaneamente, um afirmado desprezo por estas organizações e por quem nelas exerce a sua actividade profissional, uma arrogância ostensiva e uma reconhecida incompetência política e educativa para lidar com as questões da educação. Perante esta situação, verificámos que os professores (individualmente considerados) e as suas organizações de classe desenvolveram um considerável trabalho de resistência activa que teve a sua expressão em duas grandes e inéditas manifestações. Emergiram vários movimentos de professores e a internet foi um espaço amplamente utilizado por muitos professores através de diversos modos de comunicação, sobretudo blogues. O governo, por seu turno, também criou diversas estruturas orientadas para a legitimação das suas políticas, como sejam o conselho de escolas e diversos conselhos (científicos e de outras naturezas) no campo da avaliação. De um ponto de vista informal, também pudemos assistir à emergência de um movimento de presidentes de conselhos executivos preocupado, sobretudo, com a problemática da avaliação do desempenho docente. Como sabemos, este multifacetado movimento docente conseguiu importantes resultados ao longo destes quatro anos, mas não foi suficiente para derrubar a equipa ministerial e impedir que o volumoso edifício legislativo por ela produzido se mantivesse em vigor, asfixiando as escolas e impedindo que estas funcionassem normalmente. Podemos afirmar, sem qualquer margem de erro, que os objectivos do governo permanecem intocáveis e todo o movimento avaliador, das pessoas e das organizações, continua a processar-se sem que se vislumbre qualquer saída que permita antever a emergência de uma escola autónoma e capaz de produzir as políticas de educação que sempre se limitou a executar, a maior parte das vezes sem sequer as discutir. Perante este cenário, o que nos parece importante discutir é o modo como as escolas, concebidas como organizações de facto e também de direito, podem participar neste processo de resistência (no sentido que Giroux lhe atribui), afirmando-se como locais de discussão e de concepção de políticas educativas, isoladamente ou em associações especificamente criadas para o efeito. Sabemos que a tradição é inimiga desta ideia, assim como a própria legislação, que nunca permitiu que as escolas se pudessem organizar e ter, deste modo, uma participação activa no processo de direcção da educação. Por isso, temos consciência de que estamos a propor uma certa forma de transgressão que pode ser objecto de procedimentos administrativos múltiplos, mas não vemos alternativas para a construção de uma educação efectivamente pensada ao nível do local e com efectiva participação de todos os que nela trabalham e dos diversos agentes que com ela interagem. Só assim as ideias de Projecto Educativo, de autonomia e de avaliação interna poderão assumir o seu significado original, rompendo com a prática de «faz de conta» que sempre caracterizou a acção da escola portuguesa até hoje.
Manuel António Silva
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