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A vinda da família real e a educação profissional no Brasil

Durante milênios, o aprendizado das profissões se deu por meio da relação direta de um mestre com o seu aprendiz, não numa escola, mas no locus de trabalho do artesão ou do "oficial". Antonio Lisboa, o Aleijadinho, tornou-se o mais hábil e notável brasileiro no trato da madeira e da pedra sabão, mas o escultor lutou e persistiu durante anos para aprender com o mestre-de-obras Manuel Lisboa, seu pai, o ofício que lhe ensejaria dar à humanidade obras de rara beleza e valor cultural. O menino Antônio Lisboa não era o único a vivenciar essa experiência: outros jovens, seus contemporâneos, tornar-se-iam ferreiros, carpinteiros e sapateiros pelo mesmo processo: aprender trabalhando como auxiliar do mestre, nem sempre um membro da família. Esse modelo, milenar, não desapareceu: continua útil em muitos contextos e culturas e coexiste com formatos dele derivados. Se alguém, nos dias atuais, pretender tornar-se "DJ" e animar bailes com música eletrônica, por exemplo, terá que recorrer à consagrada fórmula de trabalhar como assistente de um "DJ oficial" que o aceite como aprendiz.
Em fins do século XVII ocorreu na Bahia a criação da Escola de Artilharia Prática e Arquitetura Militar ou Aula de Fortificações. O ciclo do ouro - séc. XVIII - demandou algum ensino profissional, decorrente da implantação de fundições e a criação da Casa da Moeda. Da mesma forma, a fundação dos Arsenais da Marinha exigiram profissionalização. Para suprir esta lacuna, foram encetadas experiências de aprendizagem metódica dos ofícios. Assim como a triste invasão do Iraque nos beneficia hoje, elevando o valor do petróleo do gás natural, e temos grandes reservas na Bacia de Santos, a invasão da Península Ibérica por Napoleão e a conseqüente vinda da família real para o Brasil, ensejaram alguns saltos no nosso desenvolvimento.Esse Fato custou muito ao povo português, mas, em 1808, são fundadas no Brasil algumas escolas "técnicas superiores", a primeira escola vocacional e as primeiras faculdades de Direito. As províncias passam a se responsabilizar pelo ensino primário e secundário. Em 1809, por Decreto do Príncipe Regente, é criado o Colégio das Fábricas, no Rio de Janeiro. Decorrente da derrubada do decreto da rainha Maria (depois, Maria Louca) que havia proibido o funcionamento de indústrias nas colônias de Portugal, foi primeiro ato efetivo rumo à profissionalização do trabalhador brasileiro.
Ainda na primeira metade do século XIX, foram construídas dez Casas de Educandos e Artífices em capitais da província, sendo a primeira delas em Belém do Pará. (MEC 2000, p. 11) Essas instituições, foram concebidas para "de garantir atendimento, prioritariamente, aos menores desvalidos ¹, objetivando a diminuição da vagabundagem e da criminalidade". Este pensamento, registrado nos mais importante documento da área da educação profissional do século XIX em nosso país, pode chocar pela crueza de seu texto, mas expressa um conceito corrente ainda hoje, pois a educação profissional é corriqueiramente apontada como uma forma de "tirar o adolescente das ruas". Raras vezes a Academia debruça-se sobre a Educação Profissional procurando enxergá-la como educação verdadeira.
Através do decreto 7.566 de 23 de setembro de 1909 foram então criadas no Brasil 19 Escolas de Aprendizes Artífices. Era incipiente o desenvolvimento industrial da época. Dados do Instituto Euvaldo lodi, publicados em 2002, apontam que o Brasil contava com pouco mais de 636 fábricas, com uma média de 85 empregados por estabelecimento. Nas regiões mais desenvolvidas, formavam-se profissionais para as áreas de tornearia, fundição, mecânica e eletricidade. Nas regiões onde o desenvolvimento industrial era menor, foram implantadas oficinas de alfaiataria, encadernação, funilaria, sapataria e marcenaria.
Embora os primeiros Cursos Técnicos tenham surgido a partir da promulgação da Lei n°. 3991, de 5 de janeiro de 1920, A função era preenchida com a "importação" de técnicos estrangeiros. A iminência da Segunda Grande Guerra fez com o governo, em articulação com os industriais, criasse comissões para organizar a formação profissional. No governo Vargas, dentre as instituições criadas, destacam-se o Instituto do Açúcar e do Álcool, em 1933; em 1938 o Conselho Nacional do Petróleo; em 1940, a Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Comissão de Combustíveis e, em 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial ? SENAI, instituição que proporcionou as bases efetivas para a industrialização do Brasil.
O Brasil só teve a sua primeira lei de bases da educação em 1961, sendo que o Chile já possuía a sua desde 1920. A regulamentação da profissão de Técnico Industrial, só surgiu em 1968. Em 1971, o Ministro da Educação, Coronel Passarinho, tenta um vôo arriscado: obriga todo o ensino médio a ser integrado ao ensino profissional. Assim, de um dia para o outro, por força da lei 5.692/71, toda e qualquer escola de segundo grau passava também a ser escola técnica. Todos os brasileiros, mesmo os que viessem a se tornar dentistas, advogados ou filósofos, teriam que ser, antes, técnicos, pois esse passava a ser o único caminho para se chegar à Universidade ou adentrar ao mundo do trabalho, sem passar por ela. Não deu certo, como não pode dar certo qualquer projeto que encerre em si caminho único ou pensamento hegemônico. Esse caminho único tornou-se um beco sem saída, pois não preparava o seu egresso para exercer a profissão de técnico nem lhe dava a competência para ingressar no ensino superior. A segunda LDB, de 1996, é muito mais coerente quanto à Educação Profissional.

¹ A expressão enfants des familles les plus défavorisées aparece também na legislação educacional francesa do século XIX, não sendo, portanto, uma criação brasileira.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 173
Ano 16, Dezembro 2007

Autoria:

Waldemar de Oliveira Junior
Director do Centro Senai Fundação Romi - Formação de Formadores
Waldemar de Oliveira Junior
Director do Centro Senai Fundação Romi - Formação de Formadores

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