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O que educa a TV "não educativa?"

Uma escuta sensível e ampliada acerca da complexidade que se impõe quando pensamos na educação e no que é o ato de educar nos coloca frente a muitos desafios. Um deles é o desafio e a ousadia que devemos ter, todos nós, 'praticantes docentes'(1) em espaçostempos de processos educativos: encarar a presença das mídias nesses contextos.
O cotidiano das vidas de nossos alunos (as) nos mostram, de diferentes formas, como eles (as) têm construído conhecimentos nas múltiplas redes de relações que tecem com o mundo. E nessas relações é inegável o espaço que ocupam, por todo o lado, mas especialmente na América Latina, as redes midiáticas, colocando, de forma notável, em destaque os usos que os 'praticantes discentes' fazem com a mídia televisiva.
A popularização desse meio de comunicação de massas faz com que cada vez mais a televisão invada os muros da escola, o que nos provoca a pensarmos a educação no plural aberta a múltiplas sensibilidades e não mais no singular, pois impossibilitada de percorrer um caminho único de modelos e padrões curriculares que se mostram esgotados e ineficientes diante das diferentes linguagens que circulam no ambiente escolar. Outros conhecimentos e saberes vão estar dentro das escolas ainda que não tenham sido os escolhidos ou os autorizados por aqueles que têm o poder de fazer isso, por meio da implantação de políticas públicas.
As narrativas e histórias de alguns professores(as) e estudantes nos ajudam a compreender como é que se aprende com a TV que, oficialmente, não se assume como educativa e como, nos processos de uso que dela são feitos, existe a formação de aspectos das identidades individuais e coletivas desses 'praticantes'.
Creio ser interessante, sem generalizar, exemplificar de forma sucinta essa idéia, com a história de um professor que ao se recusar a discutir com seus alunos(as) questões que 'borbulhavam' em sua sala de aula a partir de um programa de televisão. Esse programa, criado como um "jogo" criava um clima de alta competitividade que gerava discussões e tomadas de posições por parte dos alunos. Mas esse professor, frente à discussão, entre os estudantes, acerca de determinadas atitudes que estavam sendo tomadas pelos participantes do programa, disse aos mesmos que não podia deixar de "dar" a sua aula para conversar sobre programa de televisão, pois tinha conteúdos importantes a ensinar.
A intenção, ao destacar esse exemplo, não é a de julgar o professor ou de criticá-lo, mais sim de ressaltar como nós educadores, por vezes, nos deixamos aprisionar dentro de uma lógica hegemônica de ensinar que está presa a políticas educacionais pensadas por sujeitos que estão longe do chão das escolas e que ainda as pensam, dentro da lógica de mercado, como "fábricas de formar gente".
Pensemos no exemplo: como poderia ter sido rico incorporar à 'jogada educativa' que se dava naquela sala de aula, os fios que vindos das relações desses alunos(as) com a mídia televisiva poderiam provocar, por exemplo, uma discussão acerca de valores de jovens no mundo contemporâneo, sobre ética e solidariedade, sobre ajuda ao outro.
Essas reflexões servem para suscitar outras e para nos inquietar diante do lugar que ocupamos, educadores(as) comprometidos, com processos educacionais mais conseqüentes e inclusivos. Para isso, trago uma provocação feita por Orozco quando nos alerta para o fato de que se a escola e nós professores(as) não incorporarmos outras linguagens aos processos educacionais corremos o risco de ficarmos de fora das "jogadas educativas".

1) O termo 'praticante' é usado por Michel de Certeau para nomear os que fazem/agem/praticam nos cotidianos vividos.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 164
Ano 16, Fevereiro 2007

Autoria:

Martha Copolillo
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ; membro do Projeto "Redes de conhecimentos em educação e comunicação: questão de cidadania",
Martha Copolillo
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ; membro do Projeto "Redes de conhecimentos em educação e comunicação: questão de cidadania",

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