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O acesso ao ensino superior ? algumas reflexões emergentes

Acabam de ser publicadas as listas de colocações dos estudantes que se candidataram à 1ª fase  do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior para o ano lectivo 2006/07. Um tanto à margem dos efeitos das colocações propriamente ditas, importa trazer à tona um conjunto de fenómenos que, por norma, na  agitação que envolve a efeméride, não são objecto da atenção que deveriam merecer. Não se tratando de questões propriamente novas, assumem particular relevância se consideradas enquanto analisadores da evolução do sub-sistema do ensino superior em Portugal. É nesse condição que aqui serão abordadas.
A primeira questão  que este concurso  revela com particular evidência é a enorme desproporção entre o número de vagas oferecidas e o das que foram efectivamente preenchidas no que diz respeito às instituições  do ensino superior do interior do país, quer se trate da  modalidade universitária, quer politécnica. O fenómeno estende-se do interior norte ao extremo sul do país, abrangendo tanto as formações científicas e científico-tecnológicas, como as artísticas e sócio-humanísticas e pedagógico-didácticas.
Para além  de essa desproporção enquanto tal poder reflectir alguma falta de realismo por parte dos  responsáveis locais na identificação das ?necessidades de formação?, que terão inflacionado o número de vagas a oferecer, a verdade é que, à la limite, a adopção do simples mecanismo da oferta e da procura parece ser fatal para a sobrevivência de uma boa parte dos cursos oferecidos. É claro que a própria interioridade territorial não será indiferente ao modo de funcionamento desse mecanismo que, por natureza, penalizará mais aquelas instituições  cuja ?qualidade? estará dependente, justamente, dessa interioridade. Neste caso, serão penalizados os cursos cujos candidatos tenham alternativas ao seu alcance noutras instituições, tanto pelo seu potencial económico quanto   académico e cultural.
A consequência que se impõe extrair do reconhecimento deste  círculo vicioso entre interioridade e marginalidade e dependência é que o sistema de ensino e, designadamente, do ensino superior não pode ser pensado segundo a simples lógica da oferta e da procura, determinada por interesses individualistica ou corporativamente enformados. Trata-se de uma questão de política do Estado, no sentido  em que se entende a política como o exercício da responsabilidade moral e social relativa a à sociedade no seu todo.
Uma outra questão, particularmente em foco, emergente do concurso em análise é a  da catástrofe dos resultados em Matemática, Química e Física que terão afectado drasticamente tanto as expectativas dos estudantes concorrentes, como as das autoridades académicas dos cursos  cujo acesso está condicionado por aquelas competências escolares. Sem que se possa afirmar que este  comportamento ?deficitário? nas disciplinas em causa constitua uma surpresa, a verdade é que o ano em curso revelou-se especialmente penoso para milhares  de estudantes directamente atingidos pelas medidas de inovação administrativa impostas pelo Ministério.  A tendência para imputar a estudantes e professores a total responsabilidade pelos resultados escolares  deixa sempre sem questionamento os efeitos das medidas técnicas e administrativas que tutelam o sistema, como se  se tratasse dum sistema infalível.  Que garantia pode o sistema oferecer  (designadamente o  Gabinete de Avaliação - GAV)) quanto à bondade objectiva dos critérios usados nos exames em referência? Que medidas de aferição foram usadas de modo a poder sustentar-se que o teor das questões apresentadas corresponde às condições gerais de ensino/aprendizagem susceptíveis de  assegurar os resultados?  Ou basta ao GAV apenas as referências  europeias? Ou, já agora, asiáticas?
Uma outra questão  que dá que pensar é a desertificação a que  vem sendo  sujeita a  oferta de cursos destinados  ao ensino e à formação humanística em geral. A perda de interesse pela profissão docente que, num primeiro momento, se tenderá a explicar pela baixa empregabilidade que se vem acentuando nos últimos anos,  não significará, também, a descredibilização dos saberes escolares experienciada directamente pelos próprios candidatos no quotidiano escolar?
Eis uma questão que é importante ter em mente, tanto mais que as motivações intrínsecas, especialmente as de natureza simbólica, pesam significativamente na definição do sentido pessoal da existência. Continuaremos.


  
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Edição:

N.º 160
Ano 15, Outubro 2006

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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