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Canta a Primavera, pá

Um poeta como Chico Buarque pode dizer que General Eletric, Johnny Walker e Philip Morris são malandros de verdade e clientes da Doris Pelanca, da Mimi Bibelot ou da Dorinha Tubão, três mulheres da vida difícil que se retracta na Ópera do Malandro, um palco de sucesso para Max Overseas, Duran, o polícia Chaves e até Geni.
Remake da Ópera dos Três Vintens (estreada a 1928, em Berlim, numa parceria Brecht/Weill) que era já, também, um remake da Ópera do Mendigo (estreada a 1728 por John Gay), esta do Malandro é uma  viagem aos tempos pesados dos anos 40 que desenvolve um enredo entre um tal Max Overseas, contrabandista,  e Fernandes de Duran, proprietário de vários prostíbulos, ambos ?doutores? e empresários tolerados pelo corrupto Inspector Chaves.
Num elogio aos pequenos mendigos, às prostitutas baratas, aos ladrões médios e aos vigaristas charmosos, esta opera vive da poesia de Chico Buarque e é, no entender do encenador Cláudio Botelho e do cenógrafo Charles Möeller "uma história viva e pulsante e um musical sobre o poder?.
Assumidamente ?buarquemaníacos?, encenador e cenógrafo confessam que não há uma única palavra que não seja de Chico Buarque admitindo apenas cortes necessários para que o ?espectáculo durasse o tempo justo do prazer", no caso umas boas três horas.
Vinte e cinco anos e 300 mil espectadores depois da estreia, esta ópera continua actual, mesmo se desilude aqueles que a ela acorreram como que numa romagem de saudade a um tempo em que o canto empolgava mais quando questionava o domínio do capital
?Esperava um pouco mais?, ouvia-se nos passos perdidos do intervalo, no Coliseu do Porto, sem a consciência da mudança que estes 25 anos operaram em cada um de nós e em quase todos, ao ponto de julgarmos pouco o que muito nos empolgava há um quarto de século. Como uma canção do Chico que não precisa de figurar no repertório da Ópera do Malandro para figurar na memória de quase todos os espectadores.
?Foi bonita a festa, pá // fiquei contente // 'inda guardo renitente, um velho cravo para mim // // Já murcharam tua festa, pá // mas, certamente // esqueceram uma semente nalgum canto de jardim // // Sei que há léguas a nos separar // tanto mar, tanto mar // Sei também como é preciso, pá // navegar, navegar // Canta a Primavera, pá // cá estou carente // manda novamente algum cheirinho de alecrim?.


  
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Edição:

N.º 144
Ano 14, Abril 2005

Autoria:

João Rita
Jornalista, Porto
João Rita
Jornalista, Porto

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