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A « Nova Direita» e a Educação (I)

Foi a partir dos anos setenta que começaram a emergir com grande vigor nos países mais desenvolvidos, com particular destaque para os de expressão anglo-saxónica, sinais preocupantes de ruptura com esse movimento social que tinha a diminuição das desigualdades e a promoção do bem-estar social de amplas camadas da população como programa político.

Em 1993, Irving Kristol, um dos principais teorizadores do chamado neoconservadorismo americano e, por extensão, do neoconservadorismo ocidental, afirmava: ?Vem aí o século conservador?. Este teria o seu início nos anos de 1970, seguindo-se, em sua opinião, ao ?século liberal?(1870/1970), caracterizado pela hegemonia das ideias iluministas, com particular destaque para os direitos do homem e para a luta contra as desigualdades sociais e que culminou com o chamado Estado Providência.
Com efeito, foi a partir dos anos setenta que começaram a emergir com grande vigor nos países mais desenvolvidos, com particular destaque para os de expressão anglo-saxónica, sinais preocupantes de ruptura com esse movimento social que tinha a diminuição das desigualdades e a promoção do bem-estar social de amplas camadas da população como programa político. O reaganismo e o thatcherismo constituem o expoente máximo desse movimento anti-social, que veio a ser designado por alguns autores como o produto de uma nova aliança no cenário político internacional entre os neoliberais e os neoconservadores, agrupados em torno da designação de «Nova Direita». A crítica ao Estado Social de Bem-Estar e às políticas sociais promotoras de um desenvolvimento social mais justo e o apelo ao ?regresso? à livre iniciativa individual e, por conseguinte, ao chamado mercado livre, traduzida pela expressão «menos Estado, melhor Estado», constitui o núcleo central do programa desse movimento.
Portugal, por razões que se prendem com a sua história recente (a pesada herança do Estado Novo, que conduziu o país para a cauda da Europa em todos os níveis de desenvolvimento, o 25 de Abril de 74 e o facto de ser membro da UE), pode dizer-se que, só com a entrada no novo milénio, é que começou a sentir alguns dos efeitos das políticas da «nova direita», tais como o aumento do desemprego, a deslocalização de empresas e o corte na despesa pública, entre outros aspectos. Contudo, no que à educação diz respeito, a investida neoliberal e conservadora tem vindo a fazer-se sentir praticamente desde meados da década de 90, tendo como principal agente alguma imprensa diária, nomeadamente o jornal Público, onde o seu director se tem vindo a assumir como uma espécie de linha avançada das pretensões conservadoras no campo.
Tomando como base de argumentação o princípio da liberdade de aprender, o discurso conservador elegeu como verdade absoluta o que designou por fracasso da educação pública, traduzido pelos fracos resultados obtidos pelos alunos portugueses em provas internacionais e, fundamentalmente, nos exames nacionais do 12.º ano. A pressão para o estabelecimento de um ranking nacional de escolas e o financiamento directo às famílias através de «cheques-ensino» foram (e são) as bandeiras que o referido jornal tem vindo a utilizar recorrentemente. Uma das dimensões mais importantes da Lei de Bases da Educação, recentemente aprovada no parlamento (e vetada pelo presidente da república), é justamente a abertura da educação aos interesses privados, seja através da introdução do modelo empresarial no domínio da gestão das escolas, seja através do fim do monopólio do Estado no fornecimento da educação pública.
O cerco à escola pública parece montado, apesar dos resultados conhecidos através do processo de avaliação das escolas conduzido pela Inspecção-Geral de Educação e até mesmo dos rankings dos últimos três anos estarem longe de confirmar o quadro de degradação da educação pintado pelos referidos sectores neoliberais e neoconservadores.
O desafio que se coloca a todos quantos concebem a educação como um bem não mercadorizável e, portanto, não sujeito às premissas da «mão invisível» do mercado e da livre iniciativa dita individual, e, pelo contrário, a consideram como um modo (obrigatório) do Estado produzir sociedades mais justas, mais iguais e mais solidárias, é encontrar os meios de deslegitimar os discursos dominantes na actualidade, tarefa que não será fácil mas que importa assumir como central nos próximos anos.


  
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Edição:

N.º 137
Ano 13, Agosto/Setembro 2004

Autoria:

Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho
Manuel António Ferreira da Silva
Instituto de Educação e Psicologia da Univ. do Minho

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