Ao nível da violência doméstica, se não conseguirmos compreender as dinâmicas que sustentam a interacção violenta, dificilmente poderemos implementar uma adequada intervenção, quer junto da vítima, quer junto do agressor, quer ainda junto da comunidade/sociedade. Se existe hoje uma consciência alargada sobre a necessidade de denunciar as situações de violência conjugal/familiar e de apoiar as vítimas de violência, é necessário compreender também que, dada a natureza deste fenómeno e as características psicossociais dos agressores, uma das formas de proteger as vítimas e de prevenir futuras vitimações é, precisamente, favorecer a mudança nos agressores no sentido de um comportamento relacional, actual ou futuro, não violento. Esta intervenção deverá ser feita no contexto de abordagens integradas e integradoras, articulando a intervenção em agressores com a intervenção em vítimas e inseridas, sempre que possível, nos planos nacionais de luta contra a violência, à semelhança do que acontece noutros países. A intervenção com agressores pode ocorrer ao nível individual, de casal, familiar ou em grupo Os programas para agressores mais frequentemente utilizados são de quatro tipos: os programas ou estratégias de gestão da ira/raiva, basicamente treinos de competências de auto-controlo; os grupos de auto-ajuda; os programas psico-educacionais; e os modelos psicoterapêuticos ? por razões cuja exposição não cabe no espaço disponível, apenas estes dois últimos são implementados no Gabinete de Estudos e de Atendimento a Vítimas (GEAV). Ao nível da violência doméstica temos de considerar, pelo menos, quatro grupos diferentes de agressores: para além do mais frequentemente referido, o agressor de companheiro ou cônjuge, temos ainda as crianças vítimas directas ou indirectas de violência doméstica que, em alguns casos, se tornam agressoras, maioritariamente de mães e irmãos; as mulheres que, sendo vítimas continuadas de violência doméstica, desenvolvem, no contexto da e por efeito dessa vitimação continuada, perturbações de comportamento e perturbações emocionais que resultam em situações de maus tratos aos filhos; e a negligência ou os maus tratos parentais sem violência conjugal associada (para além da violência contra idosos, deficientes ou acamados). De ressaltar ainda que grande parte dos agressores não sente o seu comportamento como problemático, não sentindo, por isso, necessidade de o alterar, pelo que é importante distinguir os agressores que surgem nestes serviços (e.g., Gabinete de Estudos e Atendimento a Vítimas da Universidade do Porto e Serviço de Consulta de Psicologia e Justiça da Universidade do Minho) voluntariamente daqueles que são enviados pelo sistema de justiça para receberem apoio psicológico (e.g., como medida alternativa à pena de prisão efectiva). As motivações para o tratamento divergem e a vontade de mudança não é a mesma... Por último, gostaria de salientar que, tal como na intervenção em vítimas, a intervenção em agressores implica, paralelamente ao desenvolvimento de programas de intervenção específicos, um investimento fundamental na educação comunitária, na educação para a cidadania e para os direitos/igualdade, em suma, no combate às formas de violência socializada sustentadas em crenças e mitos fortemente enraizados e numa constante socialização para a desigualdade de género.
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