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Muybridge (1) em Paris: um Serão Animado

Segunda feira 26 de Setembro 1881, no início de um serão, no apartamento do fisiologista Etienne-Jules Marey, Avenida Delessert 11, muito próximo do Trocadéro: um público restrito de sábios assiste, fascinado, às projecções móveis e luminosas dadas pelo fotógrafo inglês Eadweard Muybridge, que inaugura em Paris a sua digressão de conferências na Europa. Entre a assistência, destacam-se Hermann von Helmholtz, Edward Brown - Séguard, Gabriel Lippman, Ársene d'Arsohval, Gaston Tissandier, o famoso Nadar?
Muybridge, que não fala uma palavra de francês, deixa ao seu amigo Marcel a tarefa de comentar as vistas.
As primeiras imagens projectadas são fixas. Representam os aparelhos utilizados por Muybridge, em Palo Alto, na California, para realizar o "electro-fotographic investigation", financiado em 1872 pelo riquíssimo americano Leland Stanford.
Doze câmaras fotográficas colocadas lado a lado são disparadas sucessivamente por um sistema de pranchetas que, cruzando-se rapidamente, deixam penetrar a objectiva e depois sobre a placa sensível ao colódio aparece a imagem de um cavalo a galope, por exemplo. O cavalo, durante a marcha, disparava as máquinas, andando sobre fios galvanizados estendidos no solo e ligados a electro-imans.
As doze fotografias do cavalo Ocidente a trote em todas as suas atitudes, ou a égua Sallie Gardner a galope, publicadas na Europa a partir de 1878, surpreendem os artistas, os fisiologistas e os fotógrafos. Era a primeira vez que se conseguia a análise fotográfica, em várias fases, de um movimento animal. Alguns jornalistas recusavam-se a acreditar.
Era perfeitamente normal que fosse Marey o primeiro a acolher na Europa as projecções luminosas de Muybridge. O sábio francês foi de alguma maneira o promotor do inquérito "zoopraxográfico" de Muybridge e Stanford, afirmando, desde 1873, que um cavalo a galope se encontrava, durante uma fracção de tempo, com as quatro patas acima do solo, mas também que ele se encontrava em determinada altura apenas com uma pata no solo. Esta observação obtida pelo "método gráfico" de Marey, foi de seguida verificada e confirmada pelas fotografias de Muybridge.
Graças a uma "Magic Lantern Zoetrope" - já estão a ver de onde vem o nome da produtora de Coppola - preparado por Muybridge, foi nessa altura possível projectar num écran um disco verde, sobre o qual se pintavam imagens de um animal em movimento, a partir de fotografias originais. O aparelho não é uma versão nova do fenaquitiscópio de projecção, já imaginado em 1843 pelo inglês Naylor; mas as imagens que envia e mostra no écran no meio de um disco obturador são realmente novas, pois foram realizadas depois fotografias sucessivas. A síntese dos movimentos pela projecção, já procurada pelo holandês Huyggens no século XVII, entra numa via mais exacta e moderna.
Muybridge, uma espécie de Moisés com a sua grande barba parda, accionando ele próprio a manivela do projector. Sallie Gardner galopa no écran com uma surpreendente elegância. A colecção de Muybridge parece não ter fim: cães, bois, veados, porcos, pássaros, atletas e palhaços desfilam como uma caça fantasmagórica.
Este serão teve um tal impacto que o pintor Ernest Meissonier, por sua vez, convidou Muybridge para ir a sua casa onde fez mais uma sessão com a presença de vários artistas e escritores, entre eles Jules Claretil, Alexandre Dumas (Filho), Alexandre Cabanel, etc.
Nos anos seguintes, sob a influência de Muybridge, Marey passará enfim do método gráfico para o cinematográfico (1882). Meissonier corrigirá as posições dos cavalos sobre os antigos quadros (nova versão de 1807, em 1887), Edison lançar-se-á nas investigações sobre o fonógrafo óptico, mais tarde o Kinetógrafo, depois de uma demonstração do projector Zoopraxiscópio em West Orange, em 1888.
Deixemos de lado a influência desta descoberta sobre o realismo pictural. O mais original é a aliança realizada por Muybridge entre o seu método revolucionário de tomada de vista e a técnica de projecção da velha lanterna mágica. A importância desta aliança escapará em parte a Marey e Edison, mais ligados à observação individual das fotografias animadas. Será preciso esperar por George Demeny e o seu fonoscópio, em 1891, e por todas as experiências do ano de 1895, para que as possibilidades deste encontro sejam novamente exploradas.

Atenção, em Setembro, às Jornadas da "Odisseia das Imagens", no Rivoli. Para abrir o apetite, dois filmes que irão passar: "A Terra", de Dovjenko, e "Alemanha ano zero" de Rosselini
Comprem o catálogo; se for tão bom como o da primeira jornada é imprescindível.

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Soares dos Reis/Porto

Legenda: Disco zoopraxiscópio, de Eadweard Muybridge.

(1) Philippe Glass dedicou-lhe uma obra "The Photographer".


  
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Edição:

N.º 94
Ano 9, Setembro 2000

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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