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O Nascimento de "Nouvelle Vague"

"Como era habitual", François Truffaut tinha recortado um artigo sobre um "fait-divers" que o tinha chocado: o crime de um vagabundo que tinha assassinado um "motard". Depois de uma primeira colaboração num argumento não conseguido que mais tarde irá aparecer em "L?amour à vingt ans", Chabrol e Truffaut começam a trabalhar, em fins de 1956 - mais precisamente a 15 de Dezembro - num argumento tirado desse "fait-divers" e que ainda não se chamava "À bout de souffle". "E depois" conta Chabrol "não nos entendemos sobre alguns pontos". Cada um dizia: eu, não vejo isso assim... E deixou-se cair. Como tínhamos falado a Jean Luc (Godard), um dia ele pediu-nos para o refazermos. Claro que sim! Mas para mostrar o filme, Georges de Beauregard pediu-nos, a François e a mim, para darmos o nosso nome, pois começávamos a ser conhecidos. François ficou com o argumento e eu como conselheiro técnico, mas ele não era o único autor do argumento e eu verdadeiramente não fui conselheiro técnico. Quando perguntei para onde olhavam as personagens, a "script" disse-me: "Ah, pelo menos tu, interessas-te pelos olhares! E François Moreuil, que na altura era o marido de Jean Seberg confidenciou-me: não faço a mínima ideia onde isto vai parar... Perante uma tal atmosfera, não voltei a por os pés na rodagem e Jean Luc safou-se muito bem sem mim...".
De facto, Godard estava aflito. Tinha apresentado a Pierre Braunberger, um argumento de 250 páginas, "tão grande como apaixonante" - disse Braunberger - e que teria durado mais de cinco horas! Depois o projecto de adaptação de "Mouchette", que não teve o aval do editor de Bernanos, não conseguiu convencer Georges de Beauregard com "Prénatal" - um primeiro esboço do que viria a ser "Une femme est une femme" - "Quartière Nègre" (de Simenon) ou "Odile" (uma versão moderna de "Affinitès Eléctive". "Se tiveres tempo de me dares em três linhas a história do filme começado no metro em Richelieu-Drouot" escreveu ele a Truffaut, embora não disponha de Françoise Sagan, poderei fazer os diálogos...".
O texto de Truffaut que se conhece hoje como o primeiro esboço de "À bout de souffle" é a versão de Truffaut-Chabrol ou versão Truffaut? Pouco importa. Continuamos ainda hoje confundidos com os detalhes contidos naquelas poucas folhas, praticamente utilizadas e filmadas ponto por ponto, e que se tornaram estritamente Godard, e muito pouco Truffaut.
A "Nouvelle Vague" não nasceu com o sucesso de "Os 400 golpes" em Cannes de Maio de 59, nem com os dois primeiros filmes de Chabrol dos meses precedentes, mas de um processo anterior revivificado durante o Festival de Cannes de 59 onde "produtores procuram jovens cineastas". O que importa acima de tudo, e Godard - ele próprio - insistiu nisso inúmeras vezes, é o que circula entre os membros de um pequeníssimo grupo, essencialmente à volta dos "Cahiers du Cinéma". Neste ambiente, as trocas, principalmente de gostos, de paixões, de ideias, de projectos, mais tarde de dinheiro (logo que tiveram os primeiros sucessos, Chabrol e Truffaut, produziram os outros, em particular - "Paris nous Appartient" de Jacques Rivette), constatou-se a aparição de alguns filmes saindo da rotina - como "Les mauvais rencontres", "Et Dieu Créa la Femme", "Les Amants"... - mas não uma "Nouvelle Vague". Alguns deles já se tinham encontrado na rodagem de "Loups du Berger" de Jacques Rivette. Chabrol produzia, com a sua jovem produtora, AJYM Films, ajudado por Pierre Braunberger, para o som e a montagem. Ele também tinha colaborado no argumento, na música ( tinha um piano) e nos cenários, pois o filme rodou-se no seu apartamento. Charles Bitsch fazia a fotografia e tinha igualmente participado no argumento, Jacques Doniol-Valcrouze começava uma carreira de actor ao lado de Jean-Claude Brialy... A "Nouvelle Vague" foi um slogan, um acidente, uma moda, uma associação acidental de interesses? Não. Uma escola, no sentido usado na Renascença italiana: a mesma inspiração, os mesmos mestres, os mesmos argumentos, as mesmas ideias, as mesmas mulheres - por vezes - e os mesmos filmes, mas tão diferentes quanto possível (as mulheres também)!!!

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis


  
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Edição:

N.º 90
Ano 9, Março 2000

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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