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Falar da (A)normalidade

Uma sala de aula. Trinta miúdos. Um professor. Este não me parece o cenário ideal para que um jovem que esteja a experimentar dúvidas quanto à sua sexualidade coloque questões sobre a homossexualidade. Só numa turma muito especial é que as coisas poderiam ser discutidas de um ponto de vista individual. Sabemos como são os jovens. Convenhamos que assumir uma atracção por indivíduos do mesmo sexo em frente a toda a turma é um risco que a esmagadora maioria dos jovens não deve querer correr. Nem que tudo se passe numa disciplina chamada de Educação Pessoal e Social. Mas isso não quer dizer que as escolas não possam discutir o assunto em geral. Falar sobre drogas não cria dependência. Falar de homossexualidade não "desvia" ninguém.
No Reino Unido os professores não podem abordar o tema da homossexualidade com os seus alunos. Este é o resultado de uma alteração à lei do poder local ? que governa as escolas ? que foi feita em 1988 pelo Governo Conservador de Margaret Tatcher. O actual Governo Trabalhista de Tony Blair quer mudar as coisas, mas a tentativa de mudança não se faz sem agitação. A Escócia, no exercício da sua autonomia, deverá fazê-lo já no Verão. Em Inglaterra não se sabe bem como vai ser. Os grupos de pressão movimentam-se, com quanto poder têm, puxando para um lado e para o outro. Há até um milionário, profundamente católico, a dar dinheiro para fazer campanha pela manutenção da lei na Escócia.

Uma sala com 30 alunos pode não ser o espaço para um aluno abordar o seu caso especial, sobretudo quando todos os sinais que tem é de que está a descarrilar do percurso "normal" que a sociedade lhe ditou. Mas uma sala de aula é certamente um local apropriado para se debater o assunto em geral e, sobretudo, para educar para a tolerância. Aquilo que os Conservadores dizem é que, não senhor, que os meninos não têm que ser ensinados a ver as coisas de igual forma. Ou seja, uma relação homossexual não pode ser comparada a uma normal (dizem eles) relação entre um homem e uma mulher. Nem sequer deve ser discutida. Porque, dizem eles, falar do assunto é dar ideias, sugerir que os jovens experimentem. Nesta ordem de ideias, deviam fazer uma secção 29 para não se falar do consumo de drogas e de álcool, uma secção 30 para não se falar de violência, uma secção 31 para não se falar de racismo e por aí fora! E, já agora, acabavam com as aulas de Educação Pessoal e Social porque deixavam de fazer sentido.
Os defensores da secção 28 têm um medo no qual se baseia toda a sua campanha: acham que se a discussão da homossexualidade for discutida nas escolas, abre-se caminho para a livre circulação de material pornográfico. Este é um pressuposto, no mínimo, ofensivo. O que resulta daqui é a implicação de que os professores estarão finalmente autorizados a prosseguir uma conduta considerada imoral e que o farão certamente. Como se em casa desses professores, onde não há secções 28, eles estivessem à vontade para usar material pornográfico para discutir o assunto com os próprios filhos... Há aqui uma confusão qualquer.
Outra coisa fantástica. Os Governos de Inglaterra e do País de Gales decidiram enviar para as escolas as linhas gerais que devem seguir em relação a estes assuntos. Pressionados pela igreja, os políticos dizem aos professores que devem ensinar os alunos sobre "a importância do casamento e da vida em família". Quase que dá vontade de rir. Os sucessivos governos criaram todas as condições para a multiplicação em catadupa de mães solteiras, com filhos de diferentes pais, levando à criação de uma geração sem o mínimo de referências familiares. A qualidade de vida, nesta margem da sociedade, degradou-se. Criou-se uma percentagem de jovens perfeitamente descontrolada. E agora os professores têm que mostrar a imagem da família perfeita?!
No meio disto tudo, onde é que pára a autonomia das escolas e o bom senso dos professores e dos pais? Não saberão eles o que deve ser transmitido aos jovens que educam? É preciso que a igreja diga aos políticos para os políticos dizerem aos professores? Que confiança é que se tem no sistema? O assunto não é fácil e até é provável que alguns professores não se sintam à vontade para falar de homossexualidade com adolescentes. Mas aqui, em questão, está, sobretudo, a disciplina de Educação Pessoal e Social. Assumo que são professores especialmente preparados e sensibilizados para este tipo de questões.
Pior do que dizer a quem ainda não descobriu que há rapazes que gostam de rapazes e raparigas que gostam de raparigas é dizer a estes últimos que são anormais, que não podem falar do assunto e que devem é pensar em casar com alguém do sexo oposto e ter filhos. Como em muitas outras coisas na vida, é uma questão de maiorias e de minorias. Quando se estimula as escolas a promoverem a tolerância em termos raciais, protege-se as minorias. Nada a opor; tudo a favor. Agora, não pode é haver umas minorias que sejam mais minorias do que as outras...

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester /UK


  
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Edição:

N.º 89
Ano 9, Março 2000

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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