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Materiais Didácticos e Cultura

A chegada das tecnologias de informação nas escolas vem ampliando o debate sobre o papel dos materiais didácticos na prática pedagógica. Tal como ocorre com os livros didácticos, há uma preocupação de diferentes naturezas acerca da adequação do seu uso. Indiscutivelmente os "softwares" e a "Internet" chegam com prestígio já confirmado socialmente. Sem pretendermos entrar nesse debate do ponto de vista da informática educativa, interessa- nos situar os materiais didácticos como artefactos culturais definidos em determinado momento histórico, como necessários à prática pedagógica em detrimento de outros que, relegados, ficam, por vezes, com seu uso restrito a grupos culturais específicos.
Nesse sentido, não está em discussão sua importância no processo de Ensino - Aprendizagem. Afinal , quem nunca viu uma criança encantada com uma lupa que lhe cria as condições para observar melhor uma minhoca, uma formiga que corre; descobrir o fogo acontecendo com a energia do sol e a lupa? Uma criança mexendo no globo terrestre encantada com tantos lugares e com a representação da água na terra? A grande descoberta das partes da folha vista em um microscópio, o seu encantamento com um vaga-lume dentro de sua mão, ou a fantasia dos contos de mil e uma noites, os contos de fadas, as aventuras de Júlio Verne ou Marco Polo? A alegria de experimentar os sons de uma flauta? Ou sua concentração procurando no dicionário outras palavras, outros significados do texto que se inicia, diante de um jogo no computador, ou mesmo diante de um filme de mistério ou desenho animado?

Particularmente o que nos interessa é o carácter histórico-cultural dos materiais didácticos, afirmando que, qualquer material pode ser assim definido. A prática pedagógica é que dará esse sentido, ou seja, os materiais didácticos são instituídos quando dão significado à acção pedagógica. Tal como afirma o professor Alfredo Veiga Neto, "são as práticas que, em última instância, constróem os significados e as Coisas do mundo" ou seja as coisas do mundo - objectos, fatos entidades, etc. - não têm significado por si sós, mas são injectadas de significados pelas práticas e, só depois disso, adquirem algum sentido para nós. Assim, torna-se relevante saber como esses sentidos foram construídos, não esquecendo que os materiais didácticos compõem o campo do currículo no qual estão em jogo múltiplos elementos , implicados em relações de poder. Esse entendimento abre espaço para a discussão dos materiais didácticos na perspectiva da diversidade cultural.
Nos últimos anos, no seio das universidades brasileiras e dos movimentos sociais, há uma preocupação em discutir o currículo escolar no cenário das mudanças ocorridas no mundo económico, assim como no das lutas étnicas e culturais. Desde a década de 70, vêm sendo apontados mecanismos para a abertura do currículo às diversas dimensões da formação humana. Defende-se um currículo que incorpore a discussão de etnias, da sexualidade, do meio ambiente, da arte, da cultura popular e erudita. Busca-se abertura para a diversidade cultural. Há um reconhecimento do papel da escola enquanto espaço de construção de conhecimento e de identidades.
Nesse sentido, importa saber se, na prática pedagógica que estamos desenvolvendo os conteúdos e materiais didácticos e suas relações implicam um projecto de ensino não-sexista, não- racista, que propicie as condições para um reconhecimento do processo histórico que nos determina e do que somos.
Numa perspectiva da diversidade cultural, nossa questão é a possibilidade de reconstruir os livros didácticos contemplando o direito à diferença ou de criar formas de introduzir o computador nos currículos segundo a lógica da escola subordinando a máquina às experiências sócio culturais escolares. Trata-se de sermos capazes de estimular a utilização de diversos artefactos culturais dentro da escola que ajudem os alunos e as alunas de diferentes grupos culturais a darem sentido ao mundo e a si mesmos.

Rosângela Tenório de Carvalho
Professora do Centro de Educação da UFPE / Brasil
rosan@npd.ufpe.br


  
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Edição:

N.º 88
Ano 8, Fevereiro 2000

Autoria:

Rosângela Tenório de Carvalho
Professora do Centro de Educação ? UFPE, Brasil
Rosângela Tenório de Carvalho
Professora do Centro de Educação ? UFPE, Brasil

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