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Que Sentido para a Escola Pública?

Professores e especialistas da educação
discutem o futuro do ensino público

Continuará a escola pública a ser hoje um garante do direito à educação e condição essencial à construção de uma cidadania democrática? Em que moldes e em que princípios deve a escola procurar edificar tal cultura? Que efeitos poderão advir do crescente peso do ensino particular no sistema de ensino e da liberalização do "mercado" educativo? Estes alguns dos temas que estiveram em foco no seminário "Escola Pública Garante do Direito à Educação", organizado pelo Sindicato dos Professores do Norte no âmbito da realização das Jornadas Pedagógicas, encontro que decorreu ao longo de dois dias, no Porto, e reuniu perto de meio milhar de professores.
Foi com base nestas reflexões que uma das principais ideias saídas do debate referiu-se à necessidade de reforçar o papel da escola pública enquanto resposta aos novos desafios postos pela lógica de mercado na educação, particularmente emergente após a entrada do país na União Europeia.
Uma escola pública entendida como "instrumento decisivo no combate às desigualdades e na promoção da educação e da cultura", tal como expressou na sessão de abertura o coordenador do SPN, Abel Macedo, que mostrou apreensão pelas "assimetrias gritantes" entre os vários sectores de ensino e as regiões do país. "Não é aos professores que cabe resolver as contradições do sistema educativo", referiu, mostrando-se preocupado com a provável diminuição da fatia do Orçamento de Estado para a educação. "A qualidade do sistema de ensino pressupõe um financiamento adequado, e os indicadores conhecidos não sustentam esta perspectiva"".
Preocupação cada vez mais legítima, como demonstrou Licínio Lima, da Universidade do Minho, quando se tem conhecimento da autêntica "indústria" que assola a educação, como são exemplo a produção dos manuais escolares ou a concessão da exploração das cantinas escolares a empresas, dois factos que considerou serem "sinais diários de privatização das escolas".
Cabe por isso aos educadores, sustentou na sua intervenção, um papel de "defesa crítica" da escola pública, cuja construção deverá assentar numa "progressiva devolução à comunidade, na manutenção do financiamento público e no fortalecimento da autonomia". Por outro lado, defendeu, é necessário dar um passo no sentido da "despolitização das práticas pedagógicas", já que a educação se encontra "cada vez mais centralizada em termos políticos e administrativos e menos centralizada em termos educativos". "É fundamental articular as duas", referiu.
Por seu lado, Rui Trindade, docente da Universidade do Porto, criticou a "ambiguidade de discursos" gerados actualmente em torno do conceito de cidadania - no qual distingue uma matriz de carácter neo-liberal e outra de natureza democrática - que condicionam decisivamente o seu papel na escola. "Apesar de a cidadania se encontrar actualmente no centro dos discursos educativos, ela é simultaneamente circunscrita a um objectivo que limita a criação de áreas e espaços curriculares que se desenvolvem na margem e à margem das escolas", defendeu o orador. Assim, concluiu, a escola pública como garante da democracia passa pela possibilidade de entender a cidadania "não como uma questão periférica mas como uma questão nuclear".

Reinventar a formação de professores

"Torna-se cada vez mais difícil distinguir a fronteira entre o público e o privado", referiu, por outro lado, Luís Souta, da Escola Superior de Educação de Setúbal, no âmbito do painel "Escola Pública e Diversidade". E citou dois exemplos para ilustrar a sua afirmação: o gradual alargamento da rede de ensino pré-escolar, assente na parceria com instituições particulares, e a frequência do ensino universitário, maioritária nos estabelecimentos privados.
No debate que se seguiu, alguns dos presentes contestaram as ideias defendidas por Luís Souta, facto que, admitiu o próprio, não o deixou surpreendido. "Mas não vale a pena negar que o privado tem outro tipo de oferta de serviços que o público não possui. Devemos é perguntar-nos o quê que a escola pública pode fazer no sentido de contrariar essa situação", contrapôs Souta.
O representante da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro neste debate, Américo Peres, lamentou, na mesma perspectiva, o facto de a escola continuar a empregar hoje as mesmas estratégias educativas do passado, responsabilizando as escolas superiores de educação por parte do problema. "Antes de reinventar a escola é preciso reiventar a formação de professores", afirmou.
Para poder cumprir o seu papel, ainda na opinião de Peres, a escola deve saber reconstruir criticamente o conhecimento, ser um espaço dominado pela racionalidade educativa, onde se desenvolvam convicções democráticas e onde haja uma abertura ao meio. "Para se transformar numa escola democrática, ela deverá desenvolver práticas de justiça social, solidariedade e respeito pelos outros E isso só será possível com uma relação de parceria com a comunidade escolar", sublinhou.
O Secretário Geral da Fenprof, Paulo Sucena, abriu a série de intervenções da jornada seguinte - subordinada ao tema "Escola Pública e Formação de Professores" - criticando, entre outras questões, a tendência para a excessiva regulamentação da actividade docente. "Como conciliar esta regulamentação com a criatividade e autonomia dos professores?", questionou Sucena, aproveitando também para pôr em causa os actuais esquemas de formação docente e a responsabilidade do Ministério da Educação nesta questão. "Basta recordar que só na área da Grande Lisboa, por exemplo, existem actualmente mais de 120 cursos de formação de professores", lembrou
Integrando o mesmo painel, Manuel Matos, da Universidade do Porto, criticou o atraso do nosso sistema de ensino e em particular a sua incapacidade de responder às exigências de formação da população. É nessa medida, defendeu, que a actual diversidade de papéis desempenhada pelo professor - docente, assistente social, psicólogo... - deveria implicar um outro tipo de resposta formativa, pondo a tónica na relação interpessoal e não na disciplina.
A finalizar o conjunto de intervenções, Manuela Mendonça, coordenadora do departamento de gestão e avaliação das escolas do SPN, efectuou uma reflexão crítica sobre a actual organização das escolas e do sistema educativo, sublinhando alguns dos constrangimentos e incoerências do actual quadro legislativo.
Esses constrangimentos, referiu, "exigem que algumas das opções fundamentais consagradas no decreto-lei de autonomia e gestão das escolas, terão que ser corrigidas" no sentido da descentralização da administração educativa e do estabelecimento de uma outra matriz de direcção e gestão escolar, que clarifique as funções da direcção e gestão, numa lógica de democracia participativa. "E devem ser os próprios actores no terreno a exigir as mudanças de política", destacando, nesse sentido, o papel dos professores enquanto catalizadores destas mudanças.

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 88
Ano 8, Fevereiro 2000

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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