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E a Propósito, o Que é a Escola e Para Que Serve?

Provavelmente, algumas décadas atrás, não oferecia dúvidas definir qual o papel que a escola deveria ter na sociedade. A escola ajudava à integração no tecido social-laboral, a escola promovia socialmente ao mesmo tempo que preparava para a vida activa. Não necessariamente por esta ordem nem tão pouco com este suposto carácter de inclusividade. Em Portugal, entre a implantação da República e a reforma Veiga Simão (por assim dizer duas marcas com grandes pretensões dum "salto em frente") a escola foi-se tornando mais ou menos inclusiva, mais ou menos exclusiva, mas sempre essencialmente a única fonte da informação e do saber. A realidade de hoje é bem diferente. Existem muitos outros locais onde buscar a informação, mais documentos, mais eficazes na procura, mais imediatos na resposta, deixando a escola-correia-de-transmissão em profunda crise de identidade. Querendo sobreviver e competir, aventura-se por áreas que até então lhe eram consideradas tabus ou contrárias ao seu papel social. Temos a escola alinhada com a contra-cultura, promovendo-a e estudando-a, incutindo nos alunos a ousadia, a explicitação da crítica, da reflexão e da opinião franca e aberta (pelo menos é o que se deduz do preâmbulo de qualquer programa). Não mais alunos dóceis e cândidos, pacientes ouvintes e diligentes executantes. Pretende-se seres autónomos, pensantes, críticos, opinativos e radicais quanto baste. Para estas ambições um marketing adequado. Em vez de reformas profundas, restruturações e ajustes pontuais. Onde antes se punia pela transgressão, hoje louva-se pela originalidade. Anatematiza-se o divórcio entre a teoria e a prática, unem-se as vias liceais com as técnicas e faz-se um saber livresco entremeado de componentes práticas e dá-se à tecnologia um banho de teoria, baralha-se e torna-se a dar. Os nomes vão mudando, as promessas ficam-se pelas intenções e a luz ao fundo do túnel, qual efeito Dopler, é cada vez mais um autêntico "redshift". Entre as boas intenções das reformas, declaradas ostensivamente nos preâmbulos, e a realidade, o fosso não poderia ser maior. De cada vez que se actua é um degrau que se desce. O projecto é um a nível das ideias, mas logo outro quando vai para o papel, fruto de cedências e negociações e quando recebido nas escolas é ainda outro que se entende e não ficamos por aqui porque o efectivamente executado é aquele que mais se distancia da ideia original.
Eis-nos assim perante a eterna questão de resposta sempre adiada: o que é a escola e para que serve? Deveremos subvertê-la ou aperfeiçoá-la tecnicamente, com a ajuda de pedagogos credenciados e engenheiros de currículo? São ainda as grandes questões que pesam e são a essas que urge dar resposta imediata. O que se deve ensinar? Porquê? Para quê? Na ausência de respostas concretas, as boas intenções continuar-se-ão a afundar, mesmo se travestidas de nobres palavras e cobertas por atitudes pedagogicamente correctas. Quase nos atrevemos a dizer aos eruditos, façam a reforma que fizerem, razoável, baseada no bom-senso (mesmo que não saibamos exactamente o que isso é) e cumpram-na seriamente, dando-lhe as condições habituais no terreno para avançar e é nossa convicção que todas serão paradoxalmente equivalentes. Isto deve-se a dois grandes princípios inerentes a qualquer mudança:
Primeiro princípio: Reforma implica formação. Nem sempre os professores estão em condições de desempenharem o papel que deles se espera.
Segundo princípio: Reforma implica verbas. Muitas vezes há que reequacionar espaços, adquirir materiais e equipamentos novos.
Quererá o poder económico, quererá a sociedade baseada no imediato apostar "às cegas" em algo que só a muito longo prazo dará eventuais frutos? Quererão os políticos investir numa área de incertezas, onde o lucro não existe como tal e onde não há lugar a votos e chapeladas?
O nosso modelo educativo aponta para 5 caminhos após a conclusão do ensino básico. Cursos gerais, cursos tecnológicos, cursos especializados do ensino artístico, cursos profissionais e ensino recorrente. A proposta agora em discussão é destinada essencialmente às duas primeiras vias, aos cursos gerais, herdeiros dos antigos cursos liceais e destinados iminentemente ao prosseguimento de estudos e aos cursos tecnológicos, parentes do ensino técnico e do ensino técnico-profissional e destinados preferencialmente à vida activa. A grande novidade, para já, é que se assume no texto, uma separação mais marcantes entre estas duas vias.
A Escola Soares dos Reis, tal como a sua congénere de Lisboa e Escola António Arroio, pertencem ao grupo das escolas especializadas de ensino artístico (a nível oficial são as únicas, já que as outras pertencem ao domínio privado ou cooperativo). Para estas escolas, a proposta apresentada pelo Ministério, é quando muito uma base de trabalho para um discussão interna, uma vez que ambas as escolas oferecem cursos próprios, ainda que articulados com o resto do ensino regular através da formação geral e parte da formação específica.
Aqui se abre um parêntesis para perguntar porque é que só o ensino artístico foi contemplado com escolas de índole especializada? Terá havido titubeância por parte das anteriores equipas ministeriais? Terão apostado na prudência? Ou será que esta via está votada à extinção pura e simples? Se olharmos para a realidade destas duas escolas do ensino oficial esta última hipótese parece querer ganhar corpo.
Na proposta ministerial vemos contempladas algumas soluções já praticadas desde há longo tempo por estas escolas. Surge o Desenho generalizado ao Agrupamento II, que já tínhamos verificado ser a espinha dorsal dos cursos de artes plásticas. Surge também uma disciplina chamada Projecto, que se assume como uma grande área curricular em qualquer agrupamento e curso e que nas nossas escolas já era a verdadeira alma de qualquer dos cursos que oferecemos. São medidas que nos parecem positivas e no caso do Projecto poderá resultar num espaço sério, dedicado à concretização, à manipulação e à experimentação. Aparecem também cargas horárias polémicas, de 90 minutos para disciplinas que até aqui tinham apenas 50 minutos. Não entendemos que isso seja uma questão de fundo. Estas questões de horários rígidos e fixos é ainda uma pesada herança da Revolução Industrial e nada compatível com as novas realidades tecnológicas. Mais interessante do que falar de disciplinas e cargas horárias é questionar a actualidade do ensino expositivo, a arquitectura da sala de aula, a concepção do modelo tradicional professor/alunos e a avaliação desses mesmos alunos. Estas questões dificilmente as vemos colocadas em qualquer reforma. No entanto a discutir transversalmente por todos os parceiros educativos são estas as questões que valem realmente a pena. O que resta são as questõezinhas, os meros apêndices de pormenor.

Alberto Martins Teixeira
Presidente do Conselho Executivo
da Escola Secundária de Soares dos Reis - Especializada de Ensino Artístico - Porto


  
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Edição:

N.º 88
Ano 8, Fevereiro 2000

Autoria:

Alberto Martins Teixeira
Professor, Porto
Alberto Martins Teixeira
Professor, Porto

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