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Revisão Curricular no Secundário

Reservas do ponto de vista do seu sentido político

1. A proposta em discussão contempla apenas os planos de estudo do ensino secundário regular. Segundo aquele documento, a revisão curricular incluirá alterações nos programas, na organização e funcionamento das escolas, nas práticas dos professores e na avaliação dos alunos. Existem, pois, limites óbvios para o que neste momento pode ser apreciado. De qualquer forma, e no que respeita à definição dos planos de estudo, há questões decisivas associadas que necessitam, desde já ser respondidas:
? a reforçada orientação dos cursos tecnológicos para a inserção no mercado de emprego implica que o acesso dos seus diplomados ao ensino superior ficará, agora, institucionalmente descurado ou secundarizado, senão dificultado, cabendo aos alunos, individualmente, realizar os esforços e suportar os custos pessoais inerentes, necessariamente acrescidos?
? qual o sentido e alcance do ano pós - 12º? (porque é tão vagamente mencionado se a ele se atribui a importante missão de facilitar a permeabilidade entre os cursos, que é restringida nos anos curriculares anteriores?)

2. A inclusão de uma área de Projecto/Projecto Tecnológico, com o potencial para promover a integração e cruzamento de saberes e a interacção de contextos escolares e não?escolares, parece-me poder vir a configurar uma inovação cuja concretização merece ser seguida com atenção.

3. Considerada globalmente esta proposta de reorganização dos planos de estudo do ensino secundário regular suscita-me, quanto à orientação e princípios básicos que a norteiam, algumas sérias reservas do ponto de vista do seu sentido político, dos seus pressupostos culturais e consequências sociais.

3.1. Em relação ao primeiro aspecto, reincide-se na mistificação já conhecida que consiste em reforçar as distinções e fronteiras entre os percursos e segmentos que constituem o ensino secundário para confrontar a necessidade de incorporar, no currículo, novos tipos e formas de organizar o conhecimento, diferentes saberes e práticas. A resposta à multiplicidade de missões e à heterogeneidade dos públicos concretiza-se, assim, na restrição de áreas/disciplinas comuns acompanhada da proliferação de "especificações".
A ser implementada, esta proposta tornará cada vez mais longínqua a possibilidade de, no ensino secundário, proporcionar um currículo comum, construído em torno de uma ampla base cultural e permitindo múltiplas combinações, com capacidade para acolher, valorizar e desenvolver as diversas orientações e projectos de vida dos estudantes e estruturar percursos diferenciados, com valor escolar e social equivalente traduzido por um mesmo diploma.

3.2. O modelo em discussão para a organização do ensino secundário regular mantém, ou acentua, a clivagem entre, por um lado, os estudos nos domínios tecnológicos e a ligação ao mundo do trabalho e, por outro, a preparação para aprendizagens e formações de nível superior ? uma tal separação parece-me baseada em pressupostos insustentáveis do ponto de vista cultural.

3.3. As alterações preconizadas, que vão no sentido de acentuar as divergências entre os dois tipos de cursos estabelecidos no ensino secundário regular (algumas das quais já mencionadas), tornam esta proposta socialmente injusta. Entre outros efeitos previsíveis, os estudantes dos ensinos tecnológico e profissional continuarão a sofrer as consequências, porventura agravadas, da desvalorização escolar e social das suas formações como resultado da institucionalização, em alternativa, de cursos especial e exclusivamente vocacionados para o acesso ao ensino superior.

4. Apenas uma breve palavra acerca da (futuramente diminuída) permeabilidade entre os cursos gerais e tecnológicos: a possibilidade de transição, em qualquer momento, entre percursos escolares, tem sido vista como expressão, ao nível das instituições educativas, de uma sociedade aberta e móvel; a concretização da proposta em discussão tornaria ainda mais débil a manifestação de tais características no sector do ensino secundário.

5. Significa esta apreciação que se defende a manutenção do modelo actual (que, como é sabido, inclui o ensino Secundário regular, as Escolas Profissionais, o ensino Recorrente, os cursos de Aprendizagem...)? Longe disso!
Atrever-me-ia a sugerir que o debate iniciado deveria contemplar e examinar seriamente outras propostas, confrontando-as com aquelas que inspiram o modelo em discussão e cujos resultados, ao longo de décadas em dezenas de sistemas educativos, são universalmente conhecidos (ainda que menos frequentemente considerados): associar tipos e formas de conhecimento e de currículo, categorias ou grupos de alunos e destinos sociais prováveis tem conduzido inevitavelmente à estratificação dos percursos escolares e dos públicos que os frequentam.
Dispomos de perspectivas e soluções alternativas mais ou menos próximas de caminhos seguidos em alguns países. Não poderíamos alargar, de facto, este debate?

Fátima Antunes
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho


  
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Edição:

N.º 87
Ano 8, Janeiro 2000

Autoria:

Fátima Antunes
Univ. do Minho
Fátima Antunes
Univ. do Minho

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