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Emprego por Ser Bonito

Num mundo dominado pelas "cunhas", já pouco me surpreende quando percebo quais são os factores que pesam na escolha que se faz entre os candidatos a um emprego. Já todos ouvimos as histórias mais incríveis. Por exemplo, uma instituição que procura um profissional com um perfil de tal forma específico que só uma pessoa lá se enquadra. É o caso: "Anúncio com destinatário". Ou o exemplo da técnica da entrevista. Quando o candidato que se quer tem um currículo ou classificações inferiores ao outro faz-se uma entrevista e dá-se a nota máxima ao candidato desejado e a nota mínima ao outro que está bem colocado, invertendo-se tudo. É o caso: "É este que entra, dê por onde der".
Mesmo assim, eu ainda acredito que existam casos de imparcialidade nesses processos de admissão de pessoal. Ou seja, acredito que há escolhas que se ficam apenas a dever às potencialidades profissionais demonstradas pelos candidatos. O que até pode vir a ser um engano... É como a concretização da história de que os melhores alunos não são necessariamente os melhores profissionais. Adiante...
Apesar de todas as histórias e de tudo o que se sabe sobre estas coisas, ainda me surpreendo quando os meus amigos de Singapura me contam que na imprensa daquele país alguns dos anúncios não só especificam as características dos candidatos desejados como também acrescentam uma condição: "Só para pessoas de raça chinesa". Claro que há explicações históricas. Claro que há questões internas que só quem vive lá é que percebe. Eu percebo mas não percebo. Se é que me percebem...
Voltando aos critérios para admitir pessoas para um determinado emprego... Parece que agora é que já nada mais me consegue surpreender. Desde que soube que há estudos científicos que provam que um dos critérios que está a ser usado na selecção de pessoas é a aparência, já nada mais me surpreende. Ser bonito ou feio começa a ser determinante. Para quem anda à procura de emprego, talvez seja bom dedicar mais tempo ao cabelo e às unhas do que à apresentação do currículo e ao estilo de respostas que vai dar às perguntas esperadas.
A expressão facial ou a estatura de uma pessoa é que não se muda com tanta facilidade. Quer dizer, "alindar-se" e "crescer" é possível... Mas, na realidade, as possibilidade de alguém fazer isso são raras. Já ouvi falar de um caso de uma pessoa que fez uma operação para aumentar o tamanho das pernas, mas penso que foi por razões de estética ou auto-estima. Não conheço ninguém que tenha esticado as pernas para arranjar o emprego...
O tal estudo diz coisas incríveis. Por exemplo: há empresas onde os funcionários considerados feios ganham menos 15 por cento do que aqueles que tiveram a sorte de nascer com uma figura que agrada ao patrão. Sim, porque nestes assuntos de beleza estamos num campo de subjectividade. E se estes critérios até podem ser entendidos em sectores como a moda, o turismo, os media ou a política, porquê exigir que uma pessoa que trabalha em tele-marketing tenha que ser bonita? Ainda se me dissessem que tem que ter uma voz agradável, eu até percebia.
Vivemos então, ao que parece e cada vez mais, num mundo de aparências. Assim sendo, que preocupações devem ter os jovens que nos próximos anos se preparam para enfrentar o mercado do trabalho? Se até agora eles podiam fazer esta ou aquela opção tendo em vista a carreira que desejavam, agora parece que não há nada a fazer. Talvez os gabinetes de imagem venham a ser os negócios lucrativos. Talvez os cursos de sedução venham a ter mais importância do que a educação dita formal. Será que vale a pena ser cumpridor e educadinho para com o chefe ou isso também não vai servir de nada? Já se sabe que os diplomas nem sempre são grande ajuda para quem procura emprego. Até sei de um caso de um jovem que omite as habilitações que tem, consoante os empregos a que se candidata.
A minha interrogação é simples: se a aparência é que conta, como vai ser a produtividade dessas "empresas bonitas"? Mas neste assunto ando sempre às voltas e vejo-me obrigada a dizer que, obviamente, há pessoas que se encaixam nos tradicionais padrões de beleza e elegância que são profissionalmente capazes e até excelentes. Cada vez estou mais confusa. Já não sei se agora mais vale ser bonito ou inteligente. Ou se as duas coisas. Ou se bonito e burro. Ou se feio e inteligente. A verdade é que não há volta a dar: cada um é como é. E ou arranja emprego porque é bom ou porque tem uma "cunha". Felizmente, ainda não conheço ninguém que tenha ficado com um emprego por ser mais bonito do que o concorrente...

Hália Costa Santos
Universidade de Leicester / UK


  
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Edição:

N.º 86
Ano 8, Dezembro 1999

Autoria:

Hália Costa Santos
Jornalista
Hália Costa Santos
Jornalista

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