A profissão do meu pai? É jornalista. O que é ser jornalista ? Sei lá. É fazer jornais. Fazer notícias. Não, não é só fazer notícias. Também escrevem crónicas. Já, já li uma crónica do meu pai. Era sobre a minha escola. Chamava-se "Os índios da escola nº 37". Gostei. Só li essa. Não li mais porque não me apeteceu.
Ser jornalista é andar de um lado para o outro. Eles também trabalham até de noite. E às vezes aos sábados e aos domingos. Se o meu pai tem tempo para mim? Às vezes, quando está de folga. Quando tem folga tem tempo.
Onde é que ele trabalha? No Jornal de Notícias. Não, os jornalistas não trabalham só nos jornais. Há também jornalistas que trabalham na televisão.
Se eu gostaria de ser jornalista? Não, não quero ser jornalista. Quero ser educadora de infância ou veterinária. Porque gosto. Sei lá, gostava... Ser jornalista não, dá muito trabalho... Educadora de infância também dá trabalho. Veterinária quê? Porque gosto de animais.
Já disse que li a crónica da minha escola. Só li essa... Não, não me lembra de mais... Sei que falava nos meninos da escola... Nós até recortamos a crónica do jornal. Todos os meninos gostaram. O meu pai já foi à minha escola falar da profissão dele. Daquilo que ele faz. Uma vez os meninos de uma sala até fizeram um livro com desenhos para dar ao meu pai. Ele gosta muito desse livro e está sempre a mostrá-lo aos amigos... O livro são os desenhos dos meninos sobre o que o meu pai faz.
O que é que ele faz? Ora, já respondi. Poupa-me. Olha, ele trabalha no computador. Pelo menos ele diz que trabalha no computador. Em casa? Sim, em casa. E no jornal. Ele no jornal tem uma secretária cheia de papéis. E em casa também. Anda sempre com muitos papéis. A minha mãe não gosta que ele ponha muitos papéis na secretária.
Sei lá para que servem os papéis. Servem para ler, sei lá. É porque são precisos. Se os computadores acabam com os papéis?! Sei lá, não. Não, os papéis nunca vão acabar?... Se eu tenho papéis? Poupa-me. Claro que tenho, toda a gente tem papéis.
Se conheço mais jornalistas? Conheço os que vão lá a casa... Conheço a Domingos... E também conheço jornalistas mulheres... O meu pai é que conhece mais jornalistas... Pergunta-lhe..

O que é que hei-de dizer? Sei lá, estou quase como a Ana Rita, poupa-me Mas já que ela falou nuns meninos da escola 37 deixa-me recordar algumas das bocas que me mandaram. Meninos e meninas da 2ª classe, isto é, do 2º ano , como agora de diz.
Um, o André Resende, disse que quando for grande vai ser jornalista porque tinha gostado do pai da Rita, que, modéstia à parte, sou eu. Outra, a Filipa, registou "as coisas mais importantes que um jornalista deve fazer" lembrando que "não deve mentir nunca pois pode causar muitos problemas".
O tempo do "Pão da Mentira" (romance do mesmo autor de "Os cavalos também se abatem", nome que agora não consigo lembrar) já terá passado... O jornalista proprietário de um jornal que faz desse papel uma bandeira civicamente militante deixou de poder existir. Hoje os jornais são empresas, preferencialmente lucrativas, a cuja propriedade os jornalistas não ascendem.
Mesmo no mercado, penso que ainda haverá lugar para dizer a verdade... É isso que tento dizer sempre que vou a uma escola falar da minha profissão... Ser jornalista exige rigor informativo e um humanismo temperado pelo tolerância, sem os quais o exercício da profissão perde sentido ético.
Escrevi há dias, para o programa de uma exposição de fotojornalismo do Fernando Oliveira, camarada que acompanhei numa reportagem de desgraças ocorridas nos Açores, que, nestes tempos de comoção colectiva por Timor, rever outros escombros é manter viva a reencontrada chama da cidadania. O jornalismo, recordo-o sempre, é a crónica da vida que passa.
Desde que a comoção e a generosidade não traiam o rigor.

*Ana Rita Dias Cêrca Roldão
nascida em 1990, estudante

** Júlio Manuel Cêrca Roldão
nascido em 1953, jornalista desde 1977