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Abel Macedo em Discurso Directo

Os (poucos) aspectos positivos
da acção governativa na Educação
devem-se à luta dos professores

O que diz respeito à Educação
diz respeito aos professores,
apesar da vontade do Governo

Engenheiro electrotécnico de formação, foi professor efectivo do 2º grupo-B, Electrotecnia, ao longo de vinte e sete anos de serviço. Integrou a comissão instaladora do Sindicato dos Professores do Norte (SPN) e é membro da direcção deste sindicato desde 1985. É igualmente membro do Conselho Nacional e do Secretariado Nacional da Fenprof. No âmbito desta federação, coordenou durante quase dez anos o grupo de trabalho para a Gestão Democrática das Escolas e representou a Fenprof no Conselho de Acompanhamento e Avaliação do modelo de gestão criado pelo decreto-lei 172/91. Foi também responsável pela área de Política Educativa do SPN em dois mandatos. Abel Macedo é, desde Junho deste ano, o coordenador do SPN, e o entrevistado deste mês da Página.

P- Tendo em conta mais que provável remodelação do executivo governamental na pasta da Educação e do facto de terem decorrido já quatro anos sobre o início da actual legislatura, qual é a sua leitura da actuação do ministro Marçal Grilo?

R- O balanço é globalmente negativo. Facilmente traduzível, aliás, no documento onde a Fenprof fez o balanço da legislatura, que já entregou aos partidos políticos - já o fez a todos menos ao Partido Socialista - no sentido de dar conta do estado da educação e daquilo que entende serem as medidas a tomar para alterar o rumo que tem vindo a ser seguido. São um total de vinte e uma medidas, que mostram o quanto é necessário alterar profundamente as políticas. Isto, só por si, representa um saldo negativo do trabalho anterior.
Registaram-se algumas alterações no plano do diálogo, no plano de uma maior abertura para perceber as próprias posições dos sindicatos, mas nem sempre foram traduzidas em alterações substanciais em termos da política educativa.

P - Que pontos positivos se poderá salientar?

R - Dos pontos positivos que se poderão destacar, mesmo assim conseguidos com a pressão e a luta dos professores, está a abolição da prova de candidatura, que era uma reivindicação já bastante antiga da Fenprof, desde a revisão do Estatuto da Carreira Docente de 1989. No encerramento da legislatura, salienta-se a revogação da portaria de recuperação do tempo de serviço, que passou a consagrar praticamente o tempo de serviço integral prestado pelos docentes. Veio tarde, mas chegou, também aqui por força da acção dos professores. Paralelamente, a abolição dos créditos na formação contínua para progressão na carreira, outra das grandes promessa eleitorais do programa do governo, continua por fazer. Há, de facto, alguns aspectos positivos, mas há bastantes insuficiências no que toca a alterações no sistema educativo, que denotam um balanço global que não poderá ser considerado positivo. Fica muito por fazer para o próximo governo, havendo muitos dossiers em aberto relativamente aos quais é preciso encontrar soluções.

P - No que diz respeito ao funcionamento das escolas, em particular, houve pelo três promessas de fundo que ficaram por cumprir. Refiro-me a uma maior preocupação pela qualidade dos manuais escolares e a restruturação do ensino artístico e profissional.

R - São duas das áreas de insuficiência da actuação deste governo, em que está quase tudo por fazer. Mas há outros aspectos mais importantes. Um deles, no qual colocámos bastante ênfase e que consideramos ter sido uma oportunidade perdida por este governo, é a descentralização da administração educativa. Legislou-se no plano da autonomia e da gestão das escolas, mas faltou produzir legislação no sentido da descentralização do sistema - que a própria Lei de Bases do Sistema Educativo obriga - na tentativa de encontrar patamares intermédios, com autonomia e competências próprias, que coloquem algumas decisões mais próximas dos locais onde elas produzem os seus efeitos: as escolas.

P - Refere-se, nomeadamente, à criação dos Conselhos Locais de Educação...

R- É uma das estruturas correspondente a um desses patamares - curiosamente, o nível mais próximo das escolas. Uma estrutura descentralizada que conheça a realidade, que congregue para si um conjunto de competências e que as exerça naquele plano concreto. Mas para ter essas competências é preciso que o poder perdesse parte delas, o que não fez. No plano da autonomia e gestão, que irá ser uma das frentes de atenção por parte dos sindicatos para a próxima legislatura - até para ver como o governo se irá posicionar relativamente a elas - passa, em nosso entender, pela revisão a curto prazo do próprio decreto que o ministério da educação impôs, o 115/A de 1998. A necessidade de revisão deste decreto vai sentir-se com bastante força quando ele estiver completamente introduzido nas escolas, quando estiver a ser sentido por todas as escolas, e nessa altura será possível contrapôr algumas das suas incoerências e insuficiências.

P - Nesse sentido, que comentário lhe merece a experiência de autonomia e gestão das escolas. Qual foi o seu verdadeiro impacto na organização escolar?

R - Impacto está a ter - quanto mais não seja, por vezes, pelos piores motivos - e está a produzir alterações no funcionamento e na organização das escolas. Algumas alterações são positivas, mas a maior parte delas são negativas. O impacto só não é completo porque ainda não se generalizou por todas escolas, nomeadamente na parte mais problemática que é a transformação, a prazo, no 1º ciclo e na educação pré-escolar, através da sua inclusão nos agrupamentos de escolas e no reforço das suas capacidades de exercício de autonomia. O ano lectivo que agora se inicia é o ano da generalização da autonomia e gestão das escolas. A partir da altura em que ela esteja completamente implementada - com natural incidência ao nível da reconversão da rede - os resultados terão outra tradução, serão mais visíveis, e nós iremos acompanhá-las de perto para perceber os seus constrangimentos.
Alguns deles, no entanto, são constrangimentos de base. Não precisamos de tempo para vermos que irão resultar mal. Isto, porque existe um forte 'handicap' que é o facto de a autonomia estar desapoiada. Esta questão é importante. Quando falo de autonomia desapoiada falo de um simulacro de acréscimo significativo de autonomia nas escolas que não está contrabalançada pela descentralização que devia acompanhá-la, e que permitiria outros níveis de autonomia, que "jogariam" com ela para a reforçar no plano da escola. Esta questão da autonomia das escolas é hoje mais um slogan político do que uma tradução concreta de uma clara autonomia, no sentido de se assumir competências próprias com legitimidade para isso. Nesse sentido, as iniciativas governamentais foram bastante insuficientes.
Mesmo ao nível da própria organização encontrada, porque se forçaram soluções no plano da organização pedagógica da escola que dificultam o trabalho colectivo a desenvolver nos planos intermédios de gestão das escolas. Nomeadamente o funcionamento do conselho pedagógico, órgão vital no funcionamento pedagógico das escolas. O conselho pedagógico tornou-se um órgão representativo de estruturas que estão indirectamente aí representadas, ou seja, criaram-se patamares que podem introduzir alguma burocracia em termos de discussão conjunta, que deve ser feita muito mais naturalmente, em grupos mais afins, como são os grupos disciplinares, do que propriamente através de departamentos curriculares pesados, uma estrutura imposta por este governo, que não tinha tradição e que estava ainda por se perceber qual a sua validade.
Admitimos que os grupos disciplinares pudessem, em algumas escolas, agrupar-se por afinidades, por lógicas de trabalho - nomeadamente na área da interdisciplinaridade - mas de iniciativa decorrente das dinâmicas próprias que as escolas, elas próprias, sentissem. O que está feito é ao contrário: definiu-se um formato com constrangimentos ao nível da composição para o conselho pedagógico, o que obriga a que os grupos se juntem artificialmente. Tudo isto introduz distorções no plano pedagógico da escola que, na nossa perspectiva, devem ser corrigidas. E a experiência irá concerteza demonstrá-lo.

P - Nesse âmbito, sabe-se que a experiência da gestão flexível dos currículos irá ser alargada a cerca de cem escolas, já este ano lectivo, apesar de haver dificuldades ao nível da avaliação. Que comentário lhe merece?

R - A gestão flexível dos currículos é um projecto que, em termos de filosofia, tem alguma aceitação - pretende quebrar-se a uniformidade do currículo nacional, indivisível, e permitir que as escolas venham a apropriar-se desse currículo em termos mais ajustados ao seu contexto. Em nosso entender, a questão principal é não ter pressa e aprender com todos os contributos que possam para esse debate. A pressa - que chegou a ser exagerada mas foi mais tarde corrigida pela secretária de estado Ana Benavente - é má conselheira daquilo que pode ser uma boa apropriação por parte dos professores de uma outra forma de encarar o currículo.
É evidente que a avaliação dos alunos tem de estar associada a esta questão. A avaliação dos alunos é um meio instrumental para que o sucesso educativo seja um facto. Por outro lado, tem de se analisar até que ponto essas áreas estão a contribuir para permitir que os alunos tenham um outro rendimento, nomeadamente a área dedicada ao estudo acompanhado. Temos ainda de ver é até que ponto este tipo de aulas, que em princípio serão produtivas, constituem uma peça coerente no sentido de os alunos juntarem isto ao curriculum que têm pela frente e tirarem dele o melhor rendimento. Mas ainda não temos dados seguros e, repito, a nossa ideia é que isto não deve ser feito de forma fechada, em termos "laboratoriais", ou seja, experimentar-se em determinado lugar - com uma avaliação que podemos admitir não seja feita seriamente - e reproduzir-se o modelo em todo o lado.
Pensamos que isto tem de ter alguma sedimentação, algum alargamento progressivo e ser acompanhado de outro tipo de reformas, de modo a que fique claro o que é que se pretende fazer com o currículo no futuro. Isto vai implicar que os professores olhem de outro modo para os programas e para a maneira como os dão, implica formação de professores para saberem trabalhar todas estas valências de uma maneira coerente.

P - Que lhe parecem as novidades que se preparam para o pré-escolar, como a generalização das orientações curriculares e a inclusão dos jardins de infância na rede de agrupamentos de escolas?

R - Não tenho uma opinião muito fomentada sobre as orientações curriculares. Sei que no seio da Fenprof e do SPN se vê com bons olhos o facto de se perspectivarem algumas orientações curriculares no pré-escolar, não no sentido de adoptar um curriculo à semelhança dos outros sectores de ensino, mas no sentido de se desenharem áreas de intervenção, planos de competência e saberes que os alunos dessa idade devem ter. Isto pode ajudar a clarificar, também, o papel de intervenção pedagógica das educadoras e educadores.
No que toca à inclusão dos jardins de infância nos agrupamentos de escolas, pensamos que essa tarefa é mais ou menos inevitável. O que me parece fundamental é salvaguardar a identidade própria deste sector de ensino. Pensamos que faz sentido coexistirem, numa mesma unidade organizacional, todos os sectores do ensino básico, em algumas casos com vantagem evidente ao nível da gestão e do aproveitamento de recursos, desde que não haja imposições e se respeite a identidade própria de cada sector. O que estamos contra é que o desenho desses agrupamentos seja, como está a ser mais ou menos prática, resultante de soluções impostas administrativamente.

P - Essa seria uma das funções dos Conselhos Locais de Educação...

R - Claramente. E é por isso que, mediante a inevitabilidade de se associarem, temos tido como orientação estratégica um esforço de discutir com os professores qual o modelo mais apropriado, e não de ficarem reféns das tais soluções que vierem a ser cozinhadas pelos gabinetes locais do ministério. Porque se os professores e os educadores de infância discutirem esta questão em conjunto concerteza que serão capazes de desenhar soluções organizativas que respeitem melhor quer a identidade dos sectores quer a preocupação de cooperarem no sentido de estabelecerem uma organização coerente. É o associativismo das escolas que defendemos face à imposição administrativa.

P - Uma questão tantas vezes debatida é a avaliação do desempenho dos docentes. O ME procedeu já à definição dos critérios que irão orientar essa avaliação. Os sindicatos tiveram um papel activo nessa discussão?

R - Tivemos um papel activo na discussão da regulamentação da avaliação do desempenho, decorrente da própria revisão do Estatuto da Carreira Docente. Mas pensamos que, nesse âmbito, há ainda um "corpo estranho", que é a avaliação contínua, mal encarada. Porque, na nossa perspectiva, ela é indissociável do próprio crescimento profissional do professor. Sempre abordamos a avaliação contínua como um dever do professor.

P - O ministério reconhece ser necessário rever os principais constrangimentos ao desenvolvimento....

R - Este é um constrangimento permanentemente colocado aos professores, porque sempre que acorrem às acções de formação, que constam de um determinado 'menu' de formação, elaborado pelos centros de formação das associações de escolas ou por outras instituições que trabalham na formação na área da escola, vêem-se praticamente forçados a tentar escolher o menos mau, se eventualmente não encontrarem resposta para as suas necessidades de formação. Ou seja, estão apenas a cumprir burocraticamente uma premissa de carreira e não a corresponder às suas verdadeiras necessidades de formação.
E esta questão está intimamente ligada ao desempenho, porque o desempenho dos docentes também se enriquece se, a cada momento, puderem encontrar aquilo que melhor corresponde às suas necessidades de formação. O actual sistema cria um constrangimento muito forte, que passa por impôr uma autêntica corrida a acções de formação para mera obtenção de créditos.

Relativamente às possibilidades que um professor - na base de uma auto-avaliação, na base de um relatório crítico sobre o trabalho que desenvolveu, identificando os seus próprios constrangimentos, e, eventualmente, estar defendido perante qualquer acusação aleatória relativamente a um possível mau desempenho, que é possível, mas que tem esta contrapartida - há hoje mecanismos nas escolas, nomeadamente ligados ao conselho pedagógico, que salvaguardam os interesses do professor no caso de aquela avaliação não corresponder à verdade. No essencial, a avaliação do desempenho deixou hoje de ser um drama para os professores. Mas tem esta componente que lhe está associada, que tem mais efeitos perversos do que efeitos positivos.

P - A propósito da acreditação dos cursos, o grupo de missão liderado por Bártolo Paiva Campos apresentou uma proposta que passava por um novo sistema de acreditação dos cursos que formam para a docência, traçando, entre outros pontos, um perfil de professor e um respectivo quadro de competências. Houve contestação. Em que ponto estamos?

R - Esta área, que corresponde à redifinição das habilitações para a docência, foi um autêntico deserto para este governo. E é curioso notar o seguinte: o anterior governo, que tinha à frente da pasta da educação uma ministra perfeitamente autista, sem qualquer comparação com o actual ministro Marçal Grilo, terminou o seu mandato com uma contestação muito forte a uma tentativa que fez de entrar numa área que precisa de uma redefinição. Este governo toma posse numa fase "quente" de contestação relativamente ao que estava desenhado e prometeu intervir. No entanto, está há quatro anos sem dizer uma palavra.
Esta matéria não pode ser adiada por mais tempo. Ainda numa recente reunião da comissão executiva do SPN decidimos que era importante continuar a pressionar o governo e discutir este assunto de forma alargada. É uma área onde a própria filosofia da formação inicial, a ser alterada no futuro, deve ser pensada de forma a definir-se que tipo de saberes devem ser incorporados nos currículos e de que forma deve ser conjugada com aquilo que hoje se pede aos professores. É uma área que exige transformações de fundo. Mas faltou ainda vontade política para enfrentar o problema de frente, sabendo que não se pode continuar, ano após ano, a acrescentar novos cursos apenas porque determinada universidade "inventou" mais uma licenciatura. É uma autêntica manta de retalhos que urge alterar profundamente.

P - Há pouco referiu que apesar de o ministro Marçal Grilo não ter o mesmo grau de autismo que a sua predecessora, Manuela Ferreira Leite, o facto é que no âmbito do Pacto Educativo para o Futuro os sindicatos foram considerados parceiros em apenas três dos dez Compromissos de Acção. Qual é a vossa posição relativamente a esta questão?

R - Essa é uma das nossas principais áreas de contestação. É uma das questões que apresentamos no documento que entregamos aos partidos políticos, no sentido de rever esse tipo de postura.

P- Mas como é possível que os sindicatos, enquanto agentes representativos dos professores, não tenham um papel mais activo?

R - É um erro, mas uma intenção deliberada deste governo, traduzida ao longo destes quatro anos, na perspectiva de que aos sindicatos de docentes estão reservadas apenas questões de carácter obrigatório de audição e de negociação relativamente a matérias do foro sócio-profissional. Na perspectiva do governo, não é preciso ouvir previamente os professores em questões que digam respeito ao sistema. E isto é um disparate, já hoje reconhecido no plano internacional, mesmo pelo nosso próprio governo.
O relatório para a UNESCO da Comissão Internacional de Sindicação para o Século XXI - que foi subscrita por vários governos, entre os quais o nosso - refere, nomeadamente, que "as organizações sindicais são, em muitos países, participantes que é impossível deixar de lado no diálogo entre escola e sociedade. Seria desejável que o diálogo entre organizações de professores e autoridades responsáveis pela educação melhorasse e que, ultrapassando as questões salariais e as condições de trabalho, o debate se estendesse à questão do papel central que os professores devem ter na concepção de concretização de reforma do sistema educativo" (sic).
Esta orientação geral no plano da UNESCO vai no sentido de olhar os sindicatos não apenas como interlocutores com legitimidade para intervir no plano sócio-profissional. E esta nem sequer é a filosofia de construção do nosso sindicato. O SPN nasceu com vistas bem mais largas do que propriamente tratar apenas de questões salariais e de condições de trabalho. No caso da gestão das escolas, somos a única estrutura deste país que desde há muitos anos intervém nestes debates com propostas próprias. E entendemos que tudo o que diga respeito à educação diz, mais ou menos intensamente, respeito aos professores, tal como se reconhece naquele documento. Até para, como também ali se sugere, aproveitar os conhecimentos dos sindicatos. Porque eles têm de facto um saber próprio, um conhecimento próprio muitas vezes mais próximo da realidade do que o próprio ministério. O Pacto Educativo para o Futuro não teve tradução política de facto, mas era um documento que indiciava um certo "guetto" sindical. Os sindicatos foram relegados a um papel que não aceitamos e vai ser uma das primeiras questões que iremos colocar ao próximo governo.

P - Essa medida insere-se numa tendência do estado se assumir como mera instituição reguladora de uma crescente mercantilização do sistema educativo. É nesse sentido que se caminha?

R - Sim. E existem indicadores mais preocupantes nesse sentido. Nomeadamente na definição dos espaços do público e do privado, relativamente ao qual este governo foi desenvolvendo uma linha de intervenção que aponta naquele sentido que referiste, assumindo-se mais como árbitro daquilo que são as ofertas educativas diferenciadas e deixar que haja concorrência entre elas. Pior do que isso, beneficiar o crescimento da rede privada com financiamentos públicos. Está em discussão um novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, que aponta neste sentido e que nós encaramos com muita preocupação, que aponta para uma crescente desresponsabilização perante a escola pública. E a escola pública é o único instrumento mediante o qual o estado se compromete a garantir a igualdade de oportunidades a todos os cidadãos. Esta é uma área preocupante que queremos ver corrigida no futuro.

P - Por falar em igualdade de oportunidades. Ainda em Maio foi entregue na Assembleia da República um documento contendo trinta mil assinaturas onde se exigia o fim dos contratos a prazo na educação. A instabilidade do corpo docente é, concerteza, outra das preocupações das organizações sindicais...

R - É outra matéria que está na primeira linha das nossas prioridades. Além da entrega desse documento, houve, no passado dia 22 de Setembro, uma marcha de professores contratados, o que significa que o problema está ainda por resolver.

P - Esta era também, aliás, uma das promessas de fundo deste governo...

R - Exactamente. De facto, criaram-se dez mil vagas o ano passado, mas ficou-se aquém das quinze mil que foram aprovadas pela Fenprof no sentido de se dar um significativo passo em frente. Não era definitivo, mas era um passo em frente para estabilizar o corpo docente, que só ficará estabilizado quando tiver acesso a quadros definitivos. Actualmente, a situação é ainda mais dramática do que no passado porque os professores não só não têm acesso ao quadro, como também não têm vinculação à função pública. Antigamente sempre existia a fórmula de, apesar de não haver vinculação aos quadros, existia uma vinculação à função pública, que sempre permitia que as pessoas tivessem garantias de trabalho.
Os professores contratados são, de facto, o sector mais maltratado na área docente. E esta questão tem de ser resolvida com alguma coragem, quer através do redimensionamento dos quadros quer pela alteração das regras de concurso, desajustada às reais necessidades das escolas. Para o que contribui também um outro ponto que continua por regulamentar, um direito consagrado no ECD, que é o facto de os professores terem incentivos próprios à fixação em zonas degradadas ou desfavorecidas. Se este incentivo for consagrado, as próprias escolas passam a ter um corpo estabilizado e não um corpo docente que todos os anos flutua até 70 e 80 por cento, adquirindo uma outra noção do trabalho que podem desenvolver.
Há também que haver coragem política para avançar para a constituição de quadros de zona pedagógica com uma dimensão superior relativamente àquilo que é apenas a ocupação directa a um horário de um professor. Esse redimensionamento passa por eles hoje serem definidos de acordo com respostas que é necessário dar no plano da complexidade organizativa das escolas. Isto, para que se possam encontrar estratégias, até da própria gestão de currículos e de outros conteúdos de aprendizagem, que permitam o aproveitamento dos recursos humanos. Não há professores em excesso, há ainda falta de professores.

P - Passando estritamente ao plano sindical. Quais vão ser as grandes linhas de actuação desta direcção?

R - No que toca às linhas de acção político-sindical, esta direcção já discutiu um documento orientador da sua intervenção para o próximo ano, que decorre, no essencial, daquilo que foi dito atrás. São as mesmas linhas que no plano nacional estão colocadas como prioridade: a defesa da escola pública, a reorganização curricular, as questões da administração e gestão da autonomia, a estabilidade do emprego, e a questão, mais global, da valorização da profissão docente.
No que toca à sua organização, esta direcção tem um maior número de dirigentes, por força de uma reorganização interna, através da qual se pretendeu criar mais pólos de intervenção, com um objectivo muito próprio: aproximar mais o SPN das escolas. Quando aumentamos o número de pólos de intervenção do sindicato, criando as áreas sindicais em vez da fórmula distrital que tínhamos anteriormente, estamos a dotar esses pólos de mais dirigentes e de mais condições para haver uma relação muito mais estreita e directa com as escolas. O que acarreta outro tipo de exigência: temos mais gente a trabalhar, temos de trabalhar melhor.
Paralelamente a este acréscimo de capacidade em termos de recursos humanos, temos também algumas alterações a nível de organização interna. E nós fazemos isto procurando encontrar, em cada ano, as melhores armas para efectuar o nosso trabalho. Procurámos criar um conjunto de departamentos que correspondesse às necessidades de trabalho detectadas, estamos a começar um trabalho nesse sentido, vamos avaliá-lo, e, sem fazer as mesmas asneiras do ministério, no caso de verificarmos que não resultou da melhor forma, partirmos para outra. Porque este sindicato, desde 1982, foi sempre sabendo não perder o seu passado, saber olhar para o que tinha feito, procurando corrigir e fazer melhor. É por isso que estamos em crescendo, cada vez com mais sócios.

P - O próximo congresso, a realizar em Março de 2000, já está em preparação...

R - Já afixámos com grande antecedência as datas para o congresso, que irá decorrer entre 22 e 24 de Março. E este congresso tem um significado importante para nós, porque como, sindicato de futuro, pretendemos também introduzir uma nova metodologia, procurando que ela seja feita com a maior abertura possível. De congresso para congresso temos procurado inovar no sentido de criar as melhores condições para que se discuta mais assuntos.
Para nós, o congresso não é um ritual em que se junta um conjunto de delegados, mais ou menos alargado, que aprovam documentos pensados pela direcção. Estamos a procurar que, mesmo para a própria elaboração de documentos do congresso, haja logo uma primeira intervenção por parte das escolas e por parte de quem quiser intervir. Falamos desde já em alguns grandes temas do congresso, e para ele vamos pedir contributos em aberto, sem que a direcção tenha desde já uma opinião firmada - sabendo, claro, que a direcção tem uma linha orientadora por força do trabalho que tem desenvolvido até aqui. Mas sem a presença de um documento que, muitas vezes, pode ser redutor em termos da maneira como se processa a discussão, criando um espaço de discussão em aberto, e alimentar esta ideia a partir da nossa imprensa sindical, nomeadamente o SPN Informação. Tudo, para que bastante antes do congresso os documentos incorporem uma série de contributos daquilo que é o olhar das escolas e dos sócios.

P - Para terminar: há praticamente nove anos que o SPN acompanha de perto a Página. Que papel considera que o jornal teve nestes últimos anos e que papel pode ter no futuro?

R - A Página ocupou um espaço muito importante nestes últimos anos. Estamos hoje muito satisfeitos com a opção que tomámos há nove anos atrás, de criar um outro órgão de informação - no qual o sindicato tem alguma preponderância, mas a que soubemos também atribuir um grau de autonomia de funcionamento. A Página tem servido para abrirmos muitas áreas de intervenção e quebrarmos algumas barreiras de diálogo que o órgão oficial do sindicato - o SPN Informação - possa estabelecer. É um espaço com uma grande abertura, de opiniões críticas e descomprometidas da linha de intervenção sindical, que muitas vezes se constitui como contributo fundamental para a nossa maneira de pensar e de reflectir mais aprofundadamente sobre certas matérias.
Olhando para trás, e vendo a qualidade que tiveram inúmeros depoimentos de muitas pessoas ligadas à área da educação, teríamos hoje um espaço de reflexão muito importante para ser incorporada, inclusivamente, na própria reflexão sindical. Foi um espaço muito rico, que nos tem ajudado a olhar com mais atenção para outras áreas da nossa intervenção directa. É, por isso, uma experiência para um futuro.

Entrevista conduzida por Ricardo Costa

Jornal a Página da Educação nº 84 - Outubro de 1999, pg. 6


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 84
Ano 8, Outubro 1999

Autoria:

Abel Macedo
Professor de Electrotecnia. Porto. SPN/FENPROF.
Abel Macedo
Professor de Electrotecnia. Porto. SPN/FENPROF.

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