Página  >  Edições  >  N.º 82  >  Quem tem Férias?

Quem tem Férias?

Se considerarmos (eu disse "se") a relação causa - efeito trabalho/férias, só tem direito a férias quem tem o dever de trabalhar. E se atribuirmos sentido contrário à implicação? Estaremos, porventura, a seguir uma linha mais lógica de raciocínio?
Naturalmente que quem escreve não inclui esta introdução na classe das meras especulações. Reflexões, sim senhor, porque é isso que faz falta e, não deixa de ser para animar a malta. Que o motor é o ânimo e o combustível a vontade!
Em jeito de brainstorming, também fica bem um palavrão que não se traduz para dar cor à prosa. Cor que, em boa verdade, se dispensa para quem é detentor de paleta tão rica: a língua portuguesa, esse património que dá identidade, letra e forma ao pulsar de um povo.
Férias é lazer? Lazer é prazer? Rima, mas nem sempre é verdade...
E trabalho, por ser direito, não deve proporcionar gozo? E gozo que não resulte de ligação obscenamente precária
Quem está desempregado está em situação de férias prolongadas? A falta de senso desta pergunta é provocatória. E o despudor das taxas de desemprego, o que é? Inqualificável, não? Constroem-se fundamentações e choram-se "caridadezinhas" para cobrir a vergonha da violação dos direitos humanos. Baixa-se a outra taxa, a da inflação, à custa de quê e de quem?
Organizemos outra definição, envenenando a provocação: férias é tréguas. Não gosto, mas admita-se o exercício académico. Já agora, por que terei digitado isto? Primeiro, porque tenho alguma destreza manual; depois e, principalmente, porque a tréguas associo o que diariamente entra pelos meus olhos e pelos meus ouvidos: o espectáculo da guerra. E, o pior de tudo, é que da visão e do ouvido passa às vísceras.
Agora, um bocadinho mais a sério, isto é, explicitamente a sério. Férias não é parar. É mudar de ritmo, movimentar-se em águas que os horários mais ou menos rígidos afastam, teimando em quedá-las na linha do horizonte, teimosamente sedutoras.
A (des)propósito, vou ao ficheiro onde arquivo desabafos de professores. Já vai mais longa do que seria desejável a lista de desejos de aposentação. O que faz com que profissionais de mister tão aliciante de responsabilidades e intervenção directa na transformação da sociedade, mesmo alguns relativamente afastados do tempo consignado na lei, desejem aliviar a carga? Perdoem a expressão grosseira, mas de carga se trata efectivamente para a estrutura física e psicológica de quem é consciente mas não mártir ou , então, de quem não recebeu e/ou não vai construindo a formação absolutamente necessária e suficiente.
Não, não me crucifiquem pelas razões apontadas. Não aceito nem cruzes nem cravos; estes, com excepção para os homónimos de Abril. É por eles que tenho a ousadia de fazer afirmações do género das anteriores. Naturalmente, sei que essas culpas de natureza endógena ou exógena estão inevitável e intimamente ligadas a toda a política educativa e ao sistema que a configura. Mas, os sujeitos, agentes e objecto principais não somos nós, os professores e educadores (centrados nos alunos)?
Admitindo que começa o leitor a esboçar uma penitência mais leve para o suposto pecado cometido (é que absolvida sempre me sinto, passe o exagero de auto-estima que possa deixar passar).
Vamos continuar a lutar com os poderosos meios de que dispomos para que seja sempre sincero o voto. Boas férias!

Iracema Santos Clara
Escola EB 2,3 Dr. Pires de Lima


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 82
Ano 8, Julho 1999

Autoria:

Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima, Porto
Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima, Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo