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No regresso

Pelo menos desde o início da revolução industrial que o ensino está submetido às necessidades do capital. Entre educar a pessoa ou a força de trabalho a segunda orientação dominou sempre sobre a primeira. Mesmo agora, quando se defende a necessidade de uma formação mais global, «para a cidadania», o que está por trás continua a ser a necessidade de um novo tipo de trabalhador.
Durante um largo período os professores foram relegados para uma posição subordinada. No sistema educativo introduziu-se uma certa divisão social do trabalho. Uns administram e dirigem; outros formam; outros produzem «inovação»; outros elaboram projectos; outros estudam a coisa educativa; outros tentam explicar o insucesso do sistema; outros produzem materiais pedagógicos; outros experimentam; outros avaliam; outros gerem o pessoal e os materiais disponíveis; outros fazem folclore educativo; outros fazem marketing; outros controlam o sistema e as pessoas... Aos professores pede-se que ensinem e aos alunos que aprendam. Que ensinem e aprendam o que outros decidiram que deve ser aprendido e ensinado.

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Quando se diz que os professores foram relegados a uma posição de subordinação, dizemos que o foram não só do ponto de vista da subordinação hierárquica, mas também na dimensão pedagógica, nas suas condições de trabalho, na sua remuneração e no seu estatuto social. Basta ler alguns jornais do final do século passado ou do início deste século, para termos a noção da diferença de consideração social de então e a de agora. E no entanto, mesmo agora, quando se consulta um qualquer barómetro sobre a opinião que os portugueses têm sobre as diferentes profissões, os professores continuam a ser os profissionais que maior consideração merecem por parte da população. Por isso me parece que a desconsideração, ou se quiserem, a desqualificação social e profissional, vem mais dos políticos e da máquina burocrática que servem do que do comum dos cidadãos.
De facto esta forma de tratar os professores, de os querer fazer proletários à força, resulta mais de imperativos económicos ó pagar pouco ó e de concepções de gestão industrialista do que do normal desenvolvimento e verdadeiras necessidades do sistema educativo e da profissão. E resulta também, naturalmente, da força que a burocracia educativa foi ganhando ao longo dos tempos.
Não são os professores os únicos a ser submetidos a esta intenção desqualificante. Os médicos, advogados, magistrados... os intelectuais em geral, sofrem estes mesmos ataques. É que nesta sociedade os valores antigos deixaram de merecer confiança. Os intelectuais, os criativos, são agora apenas empregados do capital. Mercadoria que se quer barata e que se usa na medida em que se adapte às necessidades ocasionais do mercado. O que nós presenciamos é uma reestruturação das classes sociais. Uma sociedade que é cada vez menos triangular com classes baixas, médias e altas e cada vez mais uma só coisa: ricos de um lado pobres do outro. Ou se quiserem, senhores e criados. Não me parece uma sociedade para durar.

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Entramos num novo ano lectivo e desgraçadamente sem nenhuma estratégia que altere significativamente o actual quadro em que se exerce a profissão. Até Novembro ou Dezembro vamos certamente acompanhar a novela da revisão de carreiras. Sendo uma questão central para a profissão ó revalorização material e encurtamento do tempo necessário para se auferir o salário do topo da carreira ó é uma questão, que a meu ver, continua a ser tratada de forma desenquadrada sobre o que é a profissão, sobre direitos e deveres dos professores, sobre o direito e a obrigação de produzir os seus saberes profissionais, formas de organização das equipas de trabalho, tempo dedicado a aulas e à investigação, tempo e direito de produção de materiais pedagógicos, etc..

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Tenho dito e repetido que o que se trata agora é de reinventar o sistema educativo, o lugar onde se aprende e ensina, o que se ensina e aprende e os modos de o fazer e em simultâneo reinventar a profissão.
O jornal a Página, nos próximos números, passará por algumas alterações. Não se trata de alterar por alterar. Desejamos, isso sim, adquirir outra capacidade de contribuir para mudar o actual estado de coisas. Assumir mais abertamente a necessidade de reinventar o sistema educativo. É um desafio à redacção, aos nossos colaboradores e naturalmente aos nossos leitores. Sabemos que a mudança só será possível se pudermos contar com a colaboração esclarecida e experienciada dos nossos leitores.


José Paulo Serralheiro


  
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Edição:

N.º 71
Ano 7, Setembro 1998

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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