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“Liberté, Egalité, Fraternité” no século XXI

Exigência de liberdade para quem não a tem. Fundação de uma igualdade radical dos que estão fora de qualquer sistema de igualdade de direitos. Afirmação de fraternidade para com os excluídos. São aspirações inspiradoras, mas…

Sempre houve um entendimento – e não só em França, onde o famoso slogan está nas paredes de todas as escolas públicas – de que Liberté, Egalité, Fraternité não são apenas os objetivos da educação, e nem sequer meros propósitos, mas que as escolas são os lugares onde esses objetivos se prefiguram e realizam. Dito isto, tem vindo a ser crescentemente reconhecido que estes objetivos não estão a ser atingidos, em qualquer das suas formas, nas escolas contemporâneas do ocidente, de onde emergiram.
Esta contribuição é inspirada pela leitura da reconfiguração do slogan da Revolução Francesa em «Libertação, Alteridade e Solidariedade», de Enrique Dussel. Estes representam, respetivamente, a exigência de liberdade para quem não a tem, a fundação de uma igualdade radical dos que estão fora de qualquer sistema de igualdade de direitos e a afirmação de fraternidade para com os excluídos, mesmo que isso signifique a oposição aberta aos seus opressores. São aspirações inspiradoras, mas, ao refletir sobre as formas que assumem atualmente na educação, podemos ver que as suas presentes formas no contexto da globalização neoliberal são, respetivamente:
- Libertarismo, a ideia de liberdade incorporada nos direitos individuais e a liberdade de mercado em detrimento dos direitos coletivos e civil; esta ideia também procura apresentar-se como a mais importante do trio original, com a priorização da importância central do indivíduo;
- no lugar da igualdade e alteridade, a forma dominante, sob a globalização neoliberal, é Equidade. Os inúmeros debates em torno das diferenças entre igualdade e equidade podem ser reduzidos, sem uma violência inútil, à ideia de que a equidade está associada à oportunidade e a igualdade aos resultados. A equidade baseia-se na posição de que todos partem do mesmo lugar, e todos merecem ser tratados de forma igual; a diferença em relação à igualdade é bem captada no famoso aforismo de Bourdieu, “tudo o que é necessário para manter a desigualdade é tratar as pessoas de uma forma igual”. A exigência de equidade é atendida pela igualdade de oportunidades de acesso à educação, ou seja, a igualdade requer a atenção às limitações de oportunidades a esse acesso.
- atualmente, o mais difícil do trio é o que estava originalmente implícito na fraternidade (muito para além das suas implicações de género). Essencialmente, os tipos de responsabilidade mútua, respeito e dependência que representa foram reduzidos a Responsabilidade Individual de acordo com as regras e normas das sociedades orientadas para o mercado, assim como a substituição de confiança mútua por obrigações contratuais enquanto motivação e medida da ‘retidão’ das nossas ações. Devemos ser todos individualmente responsáveis pelos contratos que celebramos e a única circunstância em que se pode atuar como cuidadores do nosso irmão é quando somos contratualmente responsáveis por ele. A noção de “bem público” foi reduzida à conceção dos economistas, embora seja difícil encontrar um lugar para os “bens sociais” quando já não existe algo como sociedade.

A formulação original visava criar a base para a justiça social num novo tipo de sociedade. A prioridade atual do Libertarismo, Equidade e Responsabilidade Individual, enquanto bases fundamentais para a coexistência dos indivíduos, nega a possibilidade – ou desejabilidade – de uma “sociedade” composta por indivíduos cujo pleno florescimento individual é dependente da interação cooperativa com os outros, ameaça, perigosamente e de uma forma egoísta, o futuro florescente da interação social coletiva.
A questão dos que agora são excluídos do exercício pleno dos seus direitos democráticos leva-nos além das características “tradicionais” dos oprimidos. Estes, naturalmente, continuam entre nós, e devem continuar a ser uma prioridade, mas os meios para o seu reconhecimento e realização são eles próprios dependentes da natureza e realização do trio em todos os setores da sociedade.

Roger Dale


  
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Edição:

Edição N.º 201, série II
Outono 2013

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