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Questões de Educação: campos de cultivo e terrenos áridos

O sistema educativo tornou-se um terreno perigosamente inóspito, quando deveria ser, na sua essência, um campo de cultivo, em dinâmicas múltiplas, de crescimento e formação sólida das pessoas

Sendo o meu primeiro artigo nesta revista, questionei-me: que assunto tratar? que tema explorar? que tópico enunciar e expressar?
São tantos os temas, os problemas e as interpelações, daí questões de Educação. Mas gosto, muitas vezes, de formular um subtítulo. Não sei explicar bem porquê nem isso importa. Mas o fluxo das minhas razões deu voz a um sentimento forte que tenho: a Educação – o sistema educativo e, sendo mais específico, o subsistema escolar português – tornou-se, imperdoavelmente, um terreno perigosamente inóspito, quando é, deveria ser, na sua essência – sem essencialismo – um campo de cultivo, em dinâmicas múltiplas, de crescimento e formação sólida das pessoas, de todas as pessoas.
Essa é uma utopia realizadora que, aliás, está aí: temos pessoas mais cultas, instruídas, habilitadas e com capacidades para intervir em diversos setores de atividade profissional, da sociedade e das comunidades. Não basta falar em Sociedade do Conhecimento para que ele exista, nem basta falar em Sociedade Educativa para que ela aconteça. É preciso dar corpo ao primado da Pessoa, daquela que é, daquela que pode ser, daquela que devemos, todos, ajudar a ser, daquela que deve dizer a si própria, sem pedir licença a ninguém para existir e respirar, reencontrando, em si, a força do “Mestre Interior”, de Santo Agostinho.
Entre muitas outras atitudes, esta consciência e autoimposição é um núcleo irredutível que não nos deixa sujeitar a qualquer instinto de anulação. Temos o direito à nossa contemporaneidade.
Com Paulo Freire, nunca me canso de dizer que “todos somos educandos e educadores”, todos temos o “direito primordial de dizer a palavra”. Essa, que, por dever sagrado, não se deve esconder em silêncios cúmplices, nunca.
Nos campos da Educação é inadiável cultivar ideias e semear a esperança. Não podemos deixar que bons, belos e férteis terrenos se tornem áridos, devido a (ir)responsabilidades, sucessivas, de vários agentes socioeducativos e (des)governos. Nenhum de nós, nenhuma instituição, está isenta, nem pode atirar a primeira pedra (ao charco), a não ser que tenha dito e escrito, a tempo, fazendo prudentes avisos à navegação. E, mesmo assim, a prudência aconselha contenção, mas nunca resignação passiva. Mas – e esta adversativa é muitíssimo forte - há uns mais responsáveis (e responsabilizáveis) do que outros, na medida em que as sucessivas políticas educativas podem, até certo ponto, não ser determinantes, mas são irremediavelmente condicionantes, para o melhor e para o pior.
Temos vivido em mudanças, permanências e incertezas. Mas o desnorte, que não era uma fatalidade, tem sido dominante desde 1986/89. Para além da espuma das coisas, também em Educação, há mudanças, permanências e incertezas que renascem e que pelas melhores e piores razões são (re)visitadas.
Apesar de alguns dos seus aspetos datados, considero que «Pedagogia do Oprimido», de Paulo Freire, é um clássico contemporâneo. Está condenado a sê-lo. No que às pessoas diz respeito, à Educação, à sociedade, à política, à autonomia, à palavra, à comunicação, ao (des)humano, à busca da verdade, ao poder, etc.
Falta, ainda e sempre, uma verdadeira «Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à Prática Educativa». A 39ª edição desta obra foi publicada em 2009, pela Editora Paz e Terra, em edição especial comemorativa, com uma tiragem de um milhão de exemplares. Foi com muita alegria que comprei um exemplar desta edição em S. Paulo, no Brasil, quando participei (setembro de 2009) no memorável I Congresso Internacional de Filosofia da Educação de Países e Comunidades de Língua Portuguesa, sobre o tema geral Pessoa, Sociedade e Desenvolvimento: as perspetivas da Filosofia da Educação.
Há três livros de Stéphane Hessel, recentes, que bem traduzem uma atitude de coragem e um discernimento que convida à sobriedade do pensar e do agir em interconexão: «Indignai-vos», «Empenhai-vos» e «Não Vos Rendais». Nestes livros encontramos a força das convicções, a coragem de as dizer, em primeira mão.
Julgo, aliás, que têm faltado muito em Educação os discursos de autoria, em primeira mão, em que o professor e o investigador não se escondam atrás do biombo. Em Educação é muito perigosa a pretensa neutralidade. A Educação nunca é neutra. Assumir esta evidência invisível é trabalhar, com seriedade, em objetividade – sem objetivismo – e a partir da assunção de pontos de vista fundamentados, que só uma subjetividade – sem subjetivismo – pode dizer. A Fenomenologia ensina-nos isto, sem excluir, bem pelo contrário, a fenomenologia de traço existencial. Como bem viu e deu a ver Vergílio Ferreira, esse grande escritor-filósofo-educador. Sim, educador. Bem sei que não figura, talvez, nas estantes das Ciências da Educação – e estas muito tinham a ganhar – e as humanidades talvez não deixassem, mas não sabem o que perdem. Todos perdemos!
As Ciências da Educação, que muito valoro, são, em certa medida, instrumentais face ao campo nuclear que é a própria Educação.
Todas, em unidade e diversidade, têm contribuído, em muito, para ajudar a compreender e intervir nos processos educativos e formativos, em múltiplos planos, registos e instâncias. As querelas estéreis entre as Ciências da Educação e as áreas da especialidade muitas vezes só levam a uma distração em relação à substância das coisas. Em todas há, digamos assim, vitaminas, proteínas e calorias, doces, que, em boa dose, e na justa medida, mostram aos nossos cinco sentidos e a todas as faculdades humanas que o saber é também sabor, quando é humano. Aliás, os próprios sentidos fazem e laboram saberes plurais. Haverá, em profundidade, alguma racionalidade – não letal – estranha ao próprio corpo humano? Até uma Epistemologia Educacional, séria, não poderá, hoje, evitar colocar questões desse género, na forma de pergunta ou de problemática. Saber(es), sabor(es) e conhecimento(s).

Erros primeiros ou verdades primeiras? Quem, em Educação, poderá validar, a partir de Bachelard, sem ouvir atentamente, igualmente, a voz sapiente e profunda, em contraponto, de John Dewey, em quem a experiência e a pessoa-sujeito são fontes de conhecimento(s), de currículo(s), de saber(es), capacidades, competências, da autoridade que está no ser e no fazer? E haverá fazer mais peculiar do que o fazer axiológico do humano?
Quem ouviu, sem instrumentalização, nas últimas décadas e está a ouvir o grito, mais do que legítimo, da asfixia dos professores e demais agentes educativos que não podem admitir ser objetos de decisão, mas autores e criadores de novos futuros? As possibilidades, enquanto tal, são já um mínimo de ser, para crescer e afirmarem-se. É uma questão de Ontologia Antropológica de carne e osso, de direito de existir e coexistir em projetos humanos, pessoais, interpessoais, comunitários, de Ser, em dignidade e respeito.
Não há conhecimento que chegue ao saber de cada um de nós.
Nenhum exame – muito menos nacional – pode ser a anatomia do saber e do conhecimento e, mesmo que indiretamente (?), em certos aspetos, uma afronta à inteligência! Mas este já será outro tema, que se impõe ponderar e escrutinar, com o rigor inerente à avaliação

Emanuel Oliveira Medeiros


  
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Edição:

Edição N.º 201, série II
Outono 2013

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