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What is your name?

Nessa tarde, o Carlos chegou excitado a casa.
— Vamos ter umas disciplinas novas, mãe. Música, Desenho e Inglês. Em Inglês até já sei montes de coisas, por causa dos filmes e tudo. Pensei que era bom que estivesse tão entusiasmado. Afinal, eram os seus primeiros dias na escola pública, e embora ele já tivesse tido algumas aulas com a professora, só agora iriam começar as actividades de enriquecimento curricular.
— Agora os alunos vão ter AEC.
A professora tinha-nos dito isto numa primeira reunião. Na altura não se sabia ainda muito bem o horário, pois dependia do que a Câmara lhes apresentasse, mas seria muito bom para a escola e para os alunos, claro. A professora explicou que, assim, as crianças teriam o tempo muito mais ocupado e os pais poderiam estar mais tranquilos. Era quase como se fosse um colégio privado. Todas as escolas agora podiam ter AEC.
Uma mãe perguntou então se AEC eram “actividades de entreter crianças”.
Que não. As AEC iam ajudar as crianças a aprender mais e melhor.
— E faz parte do projecto da escola? — perguntou um pai.
— Claro que faz parte do projecto! — redarguiu a professora, um pouco impaciente — até está no site do agrupamento.
— Sim, mas não era isso que queríamos dizer — insistiu outra mãe.
— De que modo é que a professora vai saber o que os seus alunos estão a trabalhar nas AEC e de que modo consegue trabalhar com os “professores” que cá vêm? Como é que eles sabem o que vão fazer com os nossos filhos, a maneira de trabalhar com eles, o projecto educativo de que a escola fala, como se organizam com a professora? Quem é que controla as opções pedagógicas dos professores das AEC? Não é a escola?
— perguntou uma mãe que, pela forma de falar, se percebia que era professora.

A professora dos nossos filhos disse-nos, então, que isso não seria possível, porque, de qualquer forma, os professores das AEC não se encontravam com os outros professores.
— Então, se aquilo é para eles aprenderem e não para os entreterem, eles vão ter duas escolas diferentes, cada uma a ir para onde quer, ou não?
— perguntava uma outra mãe.
Pareceu-me que a professora não ficou muito contente com tantas questões, porque, estava-se mesmo a ver, nem ela podia fazer grande coisa em relação àquilo. Mas prometeu que ia ter atenção e acompanhar os seus alunos o melhor que pudesse.
A reunião terminou e a maioria de nós, que pela primeira vez tínhamos filhos na escola, vínhamos um pouco inquietos. Parecia que isto de escola a “tempo inteiro” devia ser uma coisa boa, até nos descansava em alguns casos em que não podíamos chegar a tempo para ir buscar os miúdos. Mas esse tempo inteiro era o de uma outra escola, uma escola de que ninguém era capaz de nos dizer para onde ia, uma escola meia difusa, pouco definida, uma escola outra, de que tão pouco se sabia…
Quando chegou o fim do dia e fui buscar o Carlos, ele ia falando da escola, dos pequenos incidentes nas aulas, das aventuras de alguns colegas, das coisas engraçadas que tinham feito, dos entusiasmos com a professora, dos intervalos e, depois, da aula de inglês desse dia.
— Gostaste?
— A professora de Inglês era gira. Nova, assim… Quase como a minha prima Ana [que entrou este ano para a faculdade]. Acho que até sabia Inglês, dizia algumas palavras que eu já sabia. Mas era meio esquisita… Não percebíamos muito bem o que ela queria…
— Porquê?
— Não estás a ver, mãe, se ela já sabia o meu nome, por que é que estava sempre a perguntar?
— Como?
— Então... Estava sempre a perguntar-me what is your name?, what is your name?... Quando ela sabia muito bem que me chamava Carlos, porque eu já tinha dito. Podes ir lá falar com ela, mãe?
Era difícil explicar ao Carlos que eu não podia fazer aquilo, porque aquela escola era uma escola de faz-de-conta dentro da escola dele e… Fosse o que Deus quisesse! Diziam que era quase como se fosse um colégio privado, que iam ter mais tempo ocupado e aprender mais coisas, mas não sei... Não sei, não.

Angelina Carvalho


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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