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Faz sentido uma primavera mais solidária e insubmissa – é preciso, é urgente

Sim ao dever de insubmissão, sim a Abril, sempre!..
Hoje, como ontem, é preciso, é urgente, erguer cravos de esperança.

Liberdade, democracia, paz. É com estas palavras que, desde há quatro décadas, se diz primavera em Portugal. Uma primavera que este ano se apresenta particularmente sombria, obscurecida pelo drama da injustiça social, pelo desemprego crescente, pelo escândalo da desigualdade e, de um modo geral, pela perda de direitos de cidadania. Trinta sete anos depois desse sublime 25 de Abril estamos mais pobres em desejo de futuro, vencidos por frustrações sucessivas e por esperanças traídas, mas também (importa lembrar) por rotinas de acomodação preguiçosa e imprudente. De tal modo que até “nos damos ao luxo” de esquecer os ganhos civilizacionais conquistados por homens e mulheres de extraordinária coragem e ao longo de anos de luta dolorosa e perseverante. Basta lembrar, por exemplo, que antes de Abril de 1974, este simples exercício de escrita não era possível, não havia então lugar para projectos com o carácter editorial da PÁGINA.
Citando o filósofo Emmanuel Lévinas, “a história é trabalhada pelas rupturas da história em que se faz juízo sobre ela”. Ora, é esse, justamente, o poder evocativo da revolução de Abril, enquanto acontecimento emancipador e de ruptura. E por isso faz sentido – é preciso, é urgente – uma primavera mais solidária e insubmissa, começando por Março, mês em que se comemora o centésimo aniversário do Dia Internacional da Mulher. Apesar do muito que já foi conseguido no plano da justiça de género, o facto é que as mulheres continuam a ser tratadas como “cidadãos de segunda”, pondo assim em causa a humanidade comum.
Em Abril temos a festa da liberdade e, numa altura em que no nosso país, como noutros mais distantes, o povo teima em “sair à rua”, por vezes em resposta a movimentos de apelação cívica inéditos e sobre os quais valerá a pena reflectir. Em todo o caso, a “rua” contínua a constituir um espaço político de referência onde, de forma muito especial, se faz causa da “coisa pública”. É essa precisamente a força de “Maio”, e recorde-se que foi precisamente em 1974 que os trabalhadores portugueses celebraram pela primeira vez esse seu dia na rua, confirmando desse modo e com inesquecível eloquência cívica os valores da revolução de Abril.
É este, pois, o espírito do tempo a que a PÁGINA se associa na sua edição da primavera de 2011, onde se fala de pobreza, de exclusão social, de escolas que fazem questão de o ser, de professores em luta e de experiências pedagógicas de referência, sobretudo em época de crise. A par do inestimável contributo das colaborações regulares, esta edição conta com duas reportagens de fundo, uma sobre o 7º Congresso do Sindicato dos Professores do Norte (SPN) e outra centrada nas questões de “pobreza infantil”, ambas apoiadas em depoimentos de professores, aqui valorizados na plenitude da sua condição de sujeitos autores-actores.
No que se refere a entrevistas, Manuela Silva, professora e dirigente sindical, dá testemunho sobre a memória social docente, recordando o capital de conhecimento gerado no seio dos Grupos de Estudo, estrutura pioneira no âmbito da organização associativa dos professores portugueses. Jaime Carvalho e Silva, professor da Universidade de Coimbra, fala-nos na necessidade de melhorar o ensino da Matemática e Fátima Veiga, uma das responsáveis da EAPN/Portugal, confronta-nos com a realidade invisível que afecta a vida de muitas das nossas crianças. Finalmente, Miguel Santos Guerra, catedrático da Universidade de Málaga e colaborador permanente da PÁGINA, coloca-nos diante dos desafios inerentes a uma escola organizacionalmente criativa e democrática, reforçando o quanto a docência pode ser apaixonante.
De assinalar ainda o início de um intercâmbio com a revista «Presença Pedagógica», que agrega educadores e investigadores de vários pontos do Brasil. É também com este tipo de laços que se celebram os ideais de justiça e solidariedade. Assim, pugnando por mais e melhor educação para todos, digamos “Abril sempre”. Contra o medo, a repressão silenciosa, a desigualdade e a alienação de direitos, vivam os cravos do nosso compromisso e da nossa esperança!

Isabel Baptista


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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