“Los saharauis, los hijos de las nubes, los perseguidores de la lluvia, están condenados a pena de angustia perpetua y de perpetua nostalgia. Las Naciones Unidas les han dado la razón, mil y una veces, pero la independencia es más esquiva que el agua en el desierto”.
Eduardo Galeano, “Espejos: una historia casi universal”
Em meados da década de 70, a colónia espanhola do Sara Ocidental foi invadida por Marrocos e pela Mauritânia, que acabaria por abdicar do território sarauí. Os bombardeamentos marroquinos, com napalm e fósforo branco, obrigaram os sarauís a procurar refúgio no deserto argelino, onde souberam organizar-se em acampamentos de refugiados. O desterro de 35 anos é mais velho do que muitos dos 160.000 refugiados sarauís, mas mesmo os jovens sabem que não há vida a cumprir-se num deserto alheio. Aaiún, Smara, Dajla e Auserd: os sarauís deram nomes de cidades sob ocupação marroquina aos seus acampamentos. Assim, recordam os lugares perdidos e lembram que a resignação não é destino. Nos acampamentos, começou por improvisar-se a educação dos que fugiam dos bombardeamentos marroquinos. Com o passar do tempo, fundou-se um sistema educativo e, através da instituição do ensino obrigatório e da implementação de campanhas de alfabetização, erradicou-se a alarmante taxa de analfabetismo herdada da colonização espanhola. Muitos impulsos solidários internacionais convergem na construção de novas escolas e na manutenção das já construídas: há pré-escolares, básicas e secundárias, bem como centros de formação de jovens e mulheres, e centros de educação especial. É a solidariedade internacional que, ao institucionalizar-se e ao concretizar-se em protocolos de cooperação, possibilita aos jovens a continuação dos estudos no Ensino Superior. Ser culto es ser libre, pode ler-se nas paredes das escolas. A medida do interesse de Marrocos pelo Sara Ocidental tem o comprimento da costa piscatória mais rica do Oceano Atlântico e a profundidade das maiores jazidas de fosfato do mundo. O controlo marroquino dos recursos naturais sarauís é garantido por um muro com mais de 2.700 quilómetros, vigiado por milhares de soldados e armadilhado com milhões de minas, que veda o território ocupado. A ocupação perpetua-se e, com ela, as duras condições de vida nos acampamentos e a violação dos direitos humanos dos que resistem no território ocupado. É inexacto imputar somente a Marrocos a responsabilidade pelo incumprimento do direito à autodeterminação dos sarauís; a troco de compensações económicas, Espanha abandonou sem descolonizar e não soube, porque não quis, amparar a independência do Sara Ocidental. O território continua, desde a colonização efectiva espanhola, sob a supervisão do Comité Especial de Descolonização das Nações Unidas e é a última colónia africana – uma colónia espanhola sob colonização de uma antiga colónia francesa. O Tribunal de Haia sentenciou unanimemente a inexistência de quaisquer vínculos de soberania entre o Sara Ocidental e Marrocos e, desde então, as Nações Unidas lavraram centenas de resoluções que insistem no direito à autodeterminação dos sarauís. As Nações Unidas também sustentam que os recursos naturais do Sara Ocidental não podem ser explorados sem a consideração dos desejos dos sarauís. Contudo, são-no: por Marrocos e até por países da União Europeia, que paga a Marrocos para que os seus barcos pesquem em águas do Sara Ocidental, desrespeitando a soberania de um povo sobre os seus recursos. Os media pouco abordam a ocupação marroquina do Sara Ocidental. Em Dezembro de 2009, cobriram de modo lacónico a greve de fome de Aminetu Haidar. Ao regressar a Aaiún, a capital ocupada, após ter sido distinguida pela fundação norte-americana Robert F. Kennedy Center for Justice & Human Rights, a activista sarauí recusou considerar-se marroquina num documento de controlo policial. Ao reafirmar-se sarauí, negou-se a aceitar a ocupação da sua terra e foi expulsa pelas autoridades marroquinas, que a obrigaram a entrar num avião rumo ao território espanhol de Lanzarote. O governo marroquino e o governo espanhol não conseguiram calar Aminetu, que, nas Canárias, iniciou a greve de fome que duraria 32 dias. A sua determinação e a solidariedade internacional obrigaram o reino de Rabat a recuar. Caso os grandes órgãos de comunicação social noticiassem as dezenas de prisioneiros de consciência sarauís, condenados e torturados por manifestarem pacificamente a sua vontade de serem livres num país livre, saber-se-ia quão impiedosa e arbitrária é a justiça marroquina. Os portugueses não terão dificuldade em perceber a situação da ocupação marroquina do Sara Ocidental. Afinal, é análoga à situação da ocupação indonésia de Timor-Leste. Como os timorenses ansiaram, os sarauís anseiam pela possibilidade de poderem votar pela liberdade da sua pátria. Se o referendo da autodeterminação timorense tardou a chegar, o referendo da autodeterminação sarauí ainda não chegou. A independência é más esquiva que el agua en el desierto, mas, como a água, é impossível de travar com as mãos: os sarauís serão donos do seu destino.
Maria Helena Borges
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