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Estará a infotecnologia a mudar a forma de pensar e o nosso cérebro?

Uma das perguntas frequentes sobre o impacto das tecnologias de informação é se a internet está a mudar não apenas a sociedade mas também a nossa forma de pensar e até mesmo o nosso cérebro. As repostas são muitas e por vezes provocadoras ou inquietantes. Certo é que a rede não só nos debita informação, mas também configura um processo de pensamento.
O polémico escritor e ensaísta Nicholas Carr confessa: “Nos últimos anos tenho a incómoda sensação de que alguém ou algo está a jogar com o meu cérebro mudando o esquema do seu circuito neural, reprogramando a memória” e constata que, após mais de uma década de trabalho e leitura on-line, é, agora, incapaz de manter a concentração durante mais de duas os três páginas na leitura de um livro. Este sentimento é partilhado por nós próprios e pelos nossos estudantes e colegas em conversas acerca da influência da Internet. Será que a atitude de flaneur ou de observador flutuante que navega na internet é de menor valia que uma atitude de observação e labor sistemático e atento na construção/aquisição de conhecimento?
O linguista italiano Raffaele Simone afirma, em «La Tercera Fase: Formas de Saber que Estamos Perdiendo», que uma importante mudança está a acontecer desde as duas últimas décadas com o advento da revolução electrónica e a difusão dos novos meios de comunicação. Não é porém a primeira vez na história que se gera uma mudança assinalável no modo de formação do conhecimento – esta terá ocorrido pelo menos em duas outras ocasiões originando três fases nessas mudanças. A primeira fase coincidiu com a invenção da escrita, que permitiu fixar em texto escrito, libertando assim a memória da informação que antes devia ser registada na mente. A segunda fase começou vinte séculos depois com a invenção da imprensa, que aproximou o livro do público mais vasto, que antes não tinha acesso directo (pela leitura e não através da escuta) a este recurso, e ao mesmo tempo a consolidou como símbolo de conhecimento. A terceira fase é dominada pelos novos meios de comunicação (do telefone móvel ao computador e a omnipresença da internet, da televisão e do cinema) e marcada pela omnipresença da imagem e do som, que introduz uma nova lógica do conhecimento baseada na simultaneidade e na visão não alfabética.
Estas fases têm algo em comum – a leitura e a escrita, operações que durante séculos foram a fonte da cultura e de transmissão de conhecimentos. No entanto, nos últimos anos aprendemos a “ver” (cinema, televisão, internet) e a “escutar” (rádio, discos). Esta mudança produziu efeitos profundos no conteúdo dos conhecimentos e na forma como estão organizados. Na terceira fase, os conhecimentos aparecem menos organizados, menos subtis, alimentando a ideia de que se vem realizando uma degradação qualitativa do saber e até uma transformação da sua natureza. Ao conhecimento linear das narrativas sucede o das bases de dados. Os novos media tornaram-se, para Manovich, “novo campo de batalha entre a base de dados e a narração”.
Distinguimos nestas três fases fenómenos e aspectos comuns a todas estas mudanças:

1) aspectos técnicos – os instrumentos materiais novos vinculados ao conhecimento, isto é, as tecnologias como ferramentas para o conhecimento, a inteligência e a cultura;

2) processos mentais – da oralidade à escrita, da leitura à visão não alfabética e á escuta;

3) modos de trabalho da mente com a informação – como as recebe, as elabora, como transforma a capacidade e o peso dos nossos sentidos na formação do conhecimento e activa os nossos módulos e funções da mente.

Passámos em finais do século XX de um estado em que o conhecimento se obtém sobretudo através do livro e da escrita – olho e visão alfabética, inteligência sequencial – a outro estado em que também se adquire através da escuta (ouvido) ou da visão não alfabética (inteligência simultânea). A visão alfabética é uma modalidade de visão que permite adquirir informações e conhecimentos a partir de uma série linear de símbolos visuais ordenados, uns atrás dos outros (montagem cinematográfica).
Esta modalidade foi desenvolvida a partir da invenção da escrita e definiu a inteligência sequencial, diferente da simultânea baseada nas imagens e sons. Nos últimos anos, a enorme quantidade de estímulos visuais e sonoros que quotidianamente recebemos fazem com que decresça a importância da visão alfabética e o seu suporte típico – a escrita, o texto. No entanto, na terceira fase, a comunicação verbal (oral-escrita) tornou-se importante, mas banal e carente de profundidade, com os meios de comunicação mediados pelo chat e pelos telemóveis (sms).
Esta terceira fase recupera também a importância da voz como canal de comunicação – a voz é flexível em relação ao ambiente, liberta a mão de qualquer compromisso, deixando-a disponível para outras acções, é portátil, não necessita de instrumentação (pronta a usar), apenas do corpo, e é modulável, dando origens a formas expressivas e estéticas.

José da Silva Ribeiro


  
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Edição:

Edição N.º 187, série II
Inverno 2009

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