Há algum tempo a menção a textos didáticos remeteria imediatamente aos escritos, inscritos em livros específicos. Podiam ser acompanhados de ilustrações: imagens que lhes serviam de ornamento, podendo mesmo ter relações bastante tênues com as palavras, mas não deixando de tornar a página mais leve e de atrair a atenção dos leitores. Analisando a aventura do livro, no percurso do leitor ao navegador, Roger Chartier [“A aventura do livro: do leitor ao navegador”, São Paulo, UNESP, 1998] dá conta da história desta relação centro-margens, da disjunção palavra-imagem, tanto do ponto de vista do controle religioso e estatal dos gestos de leitura, quanto das condições técnicas da sua produção. O autor destaca que não apenas o Verbo sempre foi central, como, para imprimir caracteres tipográficos e gravuras em cobre, eram necessárias prensas diferentes, duas oficinas, duas profissões e duas competências. Não havia junção possível. Agora, quando as tecnologias dos novos suportes permitem as mais diversas junções, a concepção de texto foi ampliada, passando a abranger configurações tecidas por múltiplas linguagens ou, na perspectiva estritamente linguística, por materiais semióticos variados: palavras, imagens, sons, etc., não apenas presentes no mesmo texto, mas “jogando juntos” em articulações que interferem nos sentidos produzidos. Enquanto isso, a concepção de leitura, especialmente no que se pode chamar de tendência escolar, parece mais resistente, arraigada à configuração do texto escrito. Assim, sem que as questões relativas às leituras (importante marcar o plural) tenham sido superadas, o desafio se torna muito mais complexo, na medida da possibilidade de acesso a textos tão variados que, mesmo não entrando pela porta da frente nas escolas, estão presentes, ainda que obliquamente, no cotidiano das práticas desenvolvidas naqueles espaços. Considerando este contexto, a questão central aqui é: que lugar(es) eles ocuparão? Esta pergunta remete à discussão do que caracteriza o “texto didático”, uma vez rompidos os limites da intencionalidade da sua produção. Lembrando que os chamados “programas educativos” também parecem marcados por uma inquietante monotonia, quero defender a apropriação educacional dos textos que circulam socialmente. Para além das intenções da produção e dos formatos assumidos, os mais diversos produtos culturais podem ser apropriados como textos didáticos. Produções fílmicas, peças teatrais, videoclips, esculturas, pinturas, instalações, peças publicitárias etc. podem ser incorporados em processos de reflexão coletiva, sustentando abordagens conceituais em trajetórias inovadoras, no melhor sentido do termo, como o “novo” que instaura diferenças qualitativas, redimensionando as práticas desenvolvidas nas escolas, imprimindo-lhes mais sentido(s). A esta altura, alguém pode estar pensando nos produtos de qualidade “discutível” que circulam em diferentes espaços. Trazê-los para a escola? Eu diria que sim, até para discutir as razões deste sucesso, enquanto outros permanecem restritos a alguns pequenos círculos. Até para lidar com a provisoriedade que marca a cultura do descarte, no movimento de trabalhar os contrapontos e as contradições que constituem as práticas sociais, entre as quais estão inscritas as escolares. Se as produções que circulam socialmente não forem objeto de análise, nas suas várias dimensões, nas escolas, onde serão? E que cidadãos estarão sendo formados se mantidos distantes das questões que pulsam na vida fora da escola? Finalmente, esta proposta de que os mais variados textos podem ser apropriados didaticamente não dá conta aqui de vários dos seus desdobramentos, o principal deles sendo espaço-tempo para abordar tantas dimensões envolvidas. Esse mesmo que me faz encerrar este texto neste ponto, na compressão presente. Quem sabe no(s) futuro(s)?
Raquel Goulart Barreto
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