Hoje o debate político nos Estados Unidos de alguma forma profundamente refém do mainstream media continua na cerca construída entre ‘republicanos e democratas’. Os meios de comunicação dominantes teimam em reduzir o debate apenas e tão só entre as fobias republicanistas e Obamaianas.
Como é possível, propõe Francis Lappe (2005: 5), “que os seres humanos estejam a criar um mundo que ninguém deseja. Alem do mais, nenhum de nós se levanta todas as manhãs e diz: Sim o meu objectivo hoje é fazer com que mais crianças morram de fome; todavia actualmente há milhões de crianças a morrerem à fome. Nenhum de nós faz soar o alarme de forma a impedir mais danos ao planeta; no entanto, 200 americanos morrerão hoje face ao ar poluído que respiram. Nenhum de nós brama pelo escalar da violência; todavia [pelo menos] os últimos 100 anos têm sido pautados pelas guerras mais sangrentas da história humana”. Há elementos de bom senso no raciocínio de Francis Lappe. Outros, todavia, importa desmontar. De facto, a história não tem absolvido muitos, precisamente por se ter (com)provado que dormiam com e no sentido do genocídio. A questão é como é que tais praticas irracionalmente se racionalizam, ou seja se naturalizam, se domesticam, para me socorrer de uma expressão de Noam Chomsky. Hanah Arendt (1966; 1970) em analises em que foi injusta e precipitadamente fustigada ‘tenta explicar’ a domesticação e naturalização do genocídio judaico no período Nazi. E nisto, entre outras coisas, percebemos como denuncia David Orr (2005) que foi pela mão de ‘ditos bem-educados seres humanos’ que se perpetraram os piores horrores da história. Dito isto, também não será muito apurado partir do princípio que ao longo da história não têm soado por todo o mundo campainhas alertando o ser para uma realidade atroz que vai estourar o real (Zizek, 2006). Há um senso comum que promove todavia uma semântica contrária. O palestiniano Adónis, um dos vultos mais expressivos e robustos da poesia hodierna, juntamente com tantos outros, bem tem clamado por um outro mundo – pelos gritos e silêncios das suas estrofes. Quem o ouve? Porque não se ouve? Hoje o debate político nos Estados Unidos de alguma forma profundamente refém do mainstream media continua na cerca construída entre ‘republicanos e democratas’. Erroneamente se cultiva ser este o povoamento político nos Estados Unidos. Tal como infelizmente poucos conhecem a qualidade do argumento de Adónis, também a esmagadora maioria dos estado unidenses, por exemplo, nem imagina quem é Ralph Nader – que mesmo votado ao ostracismo consegue recolher o número de votos suficientes que o poderiam eleger em muitos estados europeus, provavelmente, como líder da oposição. Os Estados Unidos – quer assim deixar transparecer a mainstream media – estão divididos apenas e tão só entre as fobias republicanistas e Obamaianas. Se por um lado, se vilipendia o Partido Republicano, não obstante os ‘Tea Party Protests’ abertamente promovidos pela cadeia televisiva FOX NEWS em que já quase se exige a demissão de Obama por estar a querer impor um estado socialista (!!!) nos Estados Unidos, por outro lado, precipitadamente se idolatra Obama que até agora se revela muito mais comprometido com a direita e o centro direita sem contudo deixar de ouvir o centro esquerda, sendo que é incapaz de se deslocar de uma posição ‘radical centrista’. Obama, entre tantas coisas (que não) é o exemplo vivo de como se consegue construir e manter o que se pode designar por ‘servant leadership’, constituindo-se como o rosto do novo bloco hegemónico contemporâneo que demonstra ser capaz de incorporar processos, perspectivas e necessidades oriundas da mais vasta plêiade social e política (nem que para tal, seja necessário, ‘aqui e ali’ um pequeno ‘toque’ de populismo quanto baste). Obama consegue ser hoje o exemplo vivo do que António Gramsci (1975) denominou ‘war of position vs. war of manouvers’. Não admira pois que também um pouco por todo o mundo actuais ‘liberais comunistas’ como descreve bem Slavoj Zizek (2007), se desnudem em vénias semânticas perante Obama. Na verdade, se prestarmos cuidada atenção, percebemos que muito pouco afasta Republicanos e Democratas (ou Obamianos), sobretudo no que tange a política externa. Não obstante a sua posição relativamente a Guantanamo, Obama titubeou, embrulhou o discurso em fonemas lácteos, para me socorrer de Roland Barthes (2007), perante os mais recentes genocídios na Palestina. Com isto Obama e os Obamianos conseguem, não só ‘estrumar todo um centro politico’, reforçando assim a sua posição hegemónica, mas sobretudo mancomunam-se às ‘sistematicas políticas de negação’ de que tem sido vitima o povo Palestiniano e subscrevem assim uma espécie de ‘eugenica concordata’ levada a cabo por Israel que se impõe como o único estado no mundo sem fronteiras definidas. Mais, tal como os Republicanos, os Democratas (e os Obamianos) não garantem que não invadirão o Paquistão, caso este estado soberano continue a dar guarida á Al Qaeda, ambos dizem que matarão Bin Laden, ambos apontam o dedo com ameaças ao Irão e Coreia do Norte, ambos justificaram o seu sim aos ‘bail outs’ – uma refinada semântica que apenas comprova como eu e outros temos denunciado que é o estado que tem pavimentado o caminho para o Mercado –, ambos reclamaram a necessidade da grande nação Americana reconquistar o seu espaço e tempo imperial(ista) e garantiram que o farão, ambos prometeram desafiar os tiques KGBStalinistas de uma Rússia em crescendo, ambos ancoraram sempre a sua análise a uma equação económica. Nem uma p-a-l-a-v-r-a clara na defesa de uma educação publica, sobre políticas educativas, sobre Almost Americans Left(ed) Behind. Mais, com Obama, assiste-se ao reforço de determinados discursos perigosos, como por exemplo, ‘rua com os/as docentes incompetentes’, ‘parents accountabilty’, ‘reforço dos sistemas de acreditação’, reforço de ‘programas voucher e charter’. Por exemplo, a TIME (2008) entrega a manchete profundamente genderizada de capa à asiático-americana Michelle Rhee, Superintendente das Escolas de Washington, que surge de vassoura na mão tida como a força revolucionadora da educação americana. Odiada pela classe docente, temida pelos Directores, Rhee tem ‘varrido’ o que entende serem ‘docentes incompetentes’ reclamando ser essa a ‘cura’ para a crise da educação pública. E claramente a batalha pela manutenção e petrificação de um perigoso senso comum. De alguma forma, o capitalismo nunca falha, uma vez que o socialismo surge sempre e ‘bail it out’. Desenganem-se. O que diferencia republicanos e democratas (ou, paradoxalmente, ‘vermelhos’ e ‘azuis’) é a velocidade com que ambos se ajoelham ante o altar do Mercado. Os Estados Unidos teimam em não perceber que correm contra a história.
Referencias Bibliográficas
- Moore, Francis (2005) You Have the Power: Choosing Courage in a Culture of Fear. New York: Penguin Press.
- Arendt, Hannah (1966) The Origins of Totalitarianism. New York: Hardcourt, Brace and World.
- Arendt, Hannah (1970) On Violence. New York: Hardcourt, Brace and World.
- Orr, David (2005) The Last Refugee. Patriotism, Politics and the Environment in a Age of Terror. Washington, DC: Island Press.
- Zizek, Slavoj (2006) Bem-Vindo ad Deserto do Real. Lisboa: Relógio D’Água.
- Zizek, Slavoj (2008) On Violence. New York: Pikador.
- Rhee, Michele (2008) How to Fix America’s Schools. TIME, December, pp., 36 – 44.
- Barthes, Roland (2007) Lição. Lisboa. Edições 70.
- Gramsci, António (1975) Seclection from the Prison Notebooks of António Gramsci. New York: International Publishers.
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