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Os professores e a indisciplina: Não há nada a fazer? (I)

Cremos que a valorização da indisciplina numa sala de aula como objecto de preocupação dos professores tem tanto a ver com o mal-estar que essa indisciplina suscita, como com as leituras que se vão construindo acerca da mesma, sobretudo quando se tende a perpetuar, através de tais leituras, um conjunto de equívocos que aprisionam os docentes num mundo sem soluções, em função do qual aquele mal-estar, também, pode ser explicado.
Um desses equívocos expressa-se através das abordagens descontextualizadas, indiferenciadas e, quantas vezes, circunscritas dos actos de indisciplina que têm lugar nas escolas. Abordagens que, por exemplo, ao entenderem os alunos como os únicos responsáveis pela eclosão desses actos, acabam por não ser capazes nem de problematizar a qualidade e a adequabilidade dos desafios e das exigências pedagógicas a que esses alunos são submetidos, nem tão pouco a qualidade dos apoios ou das regras do funcionamento das salas de aula.
Daí que seja necessário perguntar se é possível abordar a indisciplina nestes espaços como um fenómeno linear e homogéneo?
João Amado (2000), num estudo por si produzido acerca das manifestações de indisciplina em escolas portuguesas, constata que os conflitos são de natureza diversa quer quanto às suas causas, quer quanto ao modo como se afirmam, quer, também, quanto às respostas que seria necessário implementar. Assim, considera que existem três níveis de indisciplina: (i) um primeiro que se exprime através da perturbação do bom funcionamento da sala de aula (falar para o lado, distrair os outros, mexer-se constantemente, etc.); (ii) um segundo que diz respeito à conflitualidade interpares e (iii) um terceiro que se afirma pela existência de confrontos entre alunos e professores que, assumindo formas distintas, põe em causa a dignidade pessoal e profissional destes últimos. Trata-se de conflitos distintos que obrigam a respostas também distintas quer em termos do tipo de acções que se propõem, quer em termos da sua amplitude, quer em termos das responsabilidades daqueles que as protagonizam.
Importa abordar, por isso e em primeiro lugar, a indisciplina na sala de aula através de leituras mais precisas tanto acerca das suas manifestações concretas, como acerca dos motivos que as poderão explicar, de forma a promover interpretações e respostas educativas suficientemente pertinentes. Importa abordar também, e em segundo lugar, esse tipo de conflitos como um desafio que obriga os professores a problematizar quer os objectivos educativos que norteiam a sua acção, quer as modalidades de organização e gestão do espaço, do tempo e do currículo, quer, ainda, as modalidades de gestão do processo de ensino-aprendizagem, bem como os tipos de relacionamento que se estabelecem no âmbito das salas de aula.
De acordo com estes pressupostos, pode afirmar-se que as respostas que os professores poderão accionar poderão ser direccionadas para dois alvos: (i) respostas relacionadas especificamente com a gestão do processo de ensino-aprendizagem; (ii) respostas preventivas e remediativas relacionadas, por sua vez, com a gestão dos comportamentos dos alunos.
No primeiro tipo de respostas enunciado pretende-se que os professores repensem tanto o modo de conceber o planeamento e a organização das actividades lectivas, como o modo de promover o processo de mediação pedagógica, reflectindo, por exemplo, se abusam da utilização do método expositivo, se as suas aulas são monótonas e repetitivas, se o seu discurso oscila entre temas diversos e sem qualquer conexão lógica entre si, se as actividades que propõem são entendidas pelos alunos ou se têm em conta as suas dificuldades e, finalmente, se o apoio que lhes disponibilizam é o mais adequado. Por sua vez, as respostas que se focalizam na gestão dos comportamentos obrigam os professores a repensar qual o estatuto das regras na sala de aula, como é que estas se constroem ou como é que são utilizadas como instrumento de hetero e de auto-regulação desses comportamentos. Isto é, importa perguntar se, neste âmbito, as regras a respeitar se encontram definidas de forma explícita e se não são geridas de forma arbitrária pelo professor. Importa perguntar, também, se a linguagem dos docentes é acessível e capaz de gerar um processo de comunicação credível e consequente. Importa perguntar, igualmente, se estes deixam os alunos entregues a si próprios no planeamento e execução das tarefas, se se alheiam da turma, porque gastam muito tempo a atender individualmente os alunos ou se estes quando acabam as tarefas ficam sem nada para fazer, aguardando as instruções dos docentes. Sendo estas respostas possíveis para enfrentar as situações de indisciplina relacionadas com a perturbação do bom funcionamento da sala de aula, há que não esquecer, como já o referimos, que os conflitos nas escolas não se circunscrevem, somente, a este tipo de fenómenos. Um assunto que justifica a continuidade desta reflexão, no próximo artigo, sobre as possibilidades de intervenção dos professores no que à indisciplina escolar diz respeito.

BIBLIOGRAFIA

  • AMADO, João (2000). Interacção pedagógica e indisciplina na aula. Porto: Edições ASA.

Ariana Cosme
Rui Trindade


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Rui Trindade
Faculde de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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