Página  >  Edições  >  N.º 179  >  Exigências de uma cidadania solidária

Exigências de uma cidadania solidária

Pedagogia social e educação social

Fecundada na linha de encontro entre as esferas da educação e da solidariedade, a história da pedagogia social é permanentemente reescrita por investigadores-actores que, enquanto herdeiros responsáveis e conscientes - simultaneamente fiéis e infiéis - acolhem criticamente as interpelações do seu tempo.
Retomando a linha de argumentação que tive oportunidade de sustentar num texto anterior, é a partir deste pressuposto que concebo o lugar da «educação social» no seio da pedagogia social, considerando que ela constitui um dos domínios estratégicos da acção sócio-educativa na nossa contemporaneidade, mais exactamente ela corresponde à inscrição da educação na área do chamado «trabalho social». Sem que, todavia, tal esgote o campo prático da pedagogia social enquanto saber vocacionado para a promoção da «aprendizagem social», isto é, para a aquisição de competências subjectivas e cívicas potenciadoras de vida em sociedade.
Contrariamente ao que a tradição nos ensinou a pensar, o mundo não funciona como se tivéssemos de um lado uma maioria de sujeitos integrados, aptos para o exercício da sua capacidade cívica, e do outro, uma minoria de pessoas inadaptadas, desintegradas e sem lugar ? os «excluídos». Nesta lógica bipolarizada, a solidariedade tende a ser identificada com o esforço de «puxar para dentro» esses outros que teimam em «sobrar», acolhendo-os compassivamente na esfera da nossa «normalidade» e do nosso conforto. Ora, é justamente este sentido de solidariedade que importa questionar hoje, reactualizando-o à luz de um novo humanismo e tendo em conta as exigências de uma realidade social especialmente complexa, fragmentada e enredada.
Os problemas contemporâneos associados à exclusão social evidenciam uma ferida civilizacional profunda e generalizada, reenviando-nos para o âmago da experiência relacional quotidiana, onde, na verdade, começam os processos de vulnerabilização humana a que todos estamos sujeitos. Neste sentido, a mudança desejada passa também, e forçosamente, pela consciência de cada cidadão. De certo modo, participamos todos desse fenómeno de indiferença colectiva que conduz à compartimentação de destinos, à escolha de vizinhanças civicamente correctas e à procura, por vezes obsessiva, de mecanismos de protecção e de segurança. Por este motivo também, e parafraseando Robert Castel, a intervenção social não pode continuar a circunscrever-se a uma «luta contra a exclusão» entendida como uma espécie de serviço de «pronto-socorro social». Com efeito, se não conseguirmos inscrever o valor solidariedade no interior das nossas dinâmicas existenciais, é a própria eficácia das medidas de atenção prioritária que fica em causa.
Outrora exclusivamente ligada às práticas de assistência, a área do «trabalho social» corresponde hoje a um campo de acção de carácter interdisciplinar e interprofissional onde as práticas de mediação pedagógica adquirem especial relevância. E esta intervenção educativa junto de pessoas e grupos humanos em situação de ruptura social requer níveis de especialização adequados à singularidade dos problemas, justificando a existência de técnicos superiormente habilitados para esse exercício. Em Portugal existem cursos de licenciatura em educação social desde a última década do século XX, segundo uma aposta num saber distintivo que conta já com uma expressão significativa ao nível da produção científica e académica. Impõe-se aqui uma palavra de especial reconhecimento para o trabalho notável, e tantas vezes invisível, de muitos educadores sociais que têm vindo paulatinamente a afirmar a sua autoridade profissional, contribuindo dessa forma para a ampliação e enriquecimento do «trabalho social».
Todavia, isto não significa que possamos definir a educação social como «uma pedagogia de socorro». A ligação matricial à pedagogia social permite que, mesmo em territórios de urgência, se mantenha a referência a um sentido integrado e integrador do processo de desenvolvimento humano. Por outro lado, num contexto de sociedade educativa, a função dos educadores sociais transcende largamente o tipo de acção configurada pelos sistemas públicos de solidariedade social. Recorrendo a palavras de uma educadora social, Sofia Rodrigues, a propósito da sua actividade num projecto de intervenção sócio-comunitária, a função do educador social deverá ser também a de orientar as pessoas, todas as pessoas, para o exercício do direito e do dever de aprendizagem ao longo da vida, ajudando-as a encontrar os caminhos de formação contínua que possam animar o seu percurso existencial, sem que tal represente uma subordinação a modelos de intervenção sustentados em diagnósticos, em sinalizações prévias ou em quadros de prevenção (cf. Cadernos de Pedagogia Social, UCP, 2008). Situo nesta linha o contributo precioso dos educadores sociais junto das escolas, em dinâmicas de mediação escola-família-comunidade ou no acompanhamento de crianças e jovens em actividades de «tempo livre» que ajudem a evidenciar as linhas de interacção possível entre a pedagogia social e a pedagogia escolar. Para podermos potenciar este tipo de contributos é preciso que o trabalho dos educadores sociais seja mais conhecido e reconhecido e esta é uma tarefa que pede um esforço acrescido por parte de todos os envolvidos. Numa sociedade tão carente de cultura de hospitalidade cívica, cultural e geracional, os educadores sociais desempenham um papel valiosíssimo enquanto agentes de solidariedade humana. O seu trabalho merece, pois, maior reconhecimento e expressão pública.

Isabel Baptista


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto
Isabel Baptista
Universidade Católica, Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo