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A Digna Marcha da Indignação

a avaliação é um processo que consiste em recolher um conjunto de informações pertinentes, válidas e fiáveis, e de examinar o grau de adequação entre este conjunto de informações e um conjunto de critérios escolhidos adequadamente com vista a fundamentar a tomada de decisões
De Ketele, 1991

A manifestação dos professores do passado dia 8 de Março, como que por desígnio de coincidência, dia mundial de emancipação da mulher, demonstrou que a contestação soltou-se das amarras do temor, que a indignação libertou-se em palavras de revolta e que o movimento do respeito pela nobreza de ser professor está imparável.
Desabrochou a revolução de uma classe que não admite ser humilhada nem aceita a imposição tirana de quem quer maltratar a sua paixão que é educar.
Vimos colegas que nunca pensávamos que alguma vez se estreassem nestas agitadas andanças. Descobrimos por muitos deles que nunca há idade para dizer que isso não é para a minha idade. Encontramos amigos de lições passadas com a satisfação de quem está presente. Confidenciamos amarguras de aulas incompreendidas e enaltecemos momentos compartidos. Cumprimentamo-nos com um "brilhozinho nos olhos" numa fusão de emoção, raiva e clamor. Percebemos que a força de cada um potenciava a energia de todos, mesmo dos que não estavam. Mas, acima de tudo, vivemos momentos de exaltação contagiante num sentimento de orgulho colectivo de ser professor.
É esta imagem gravada na retina da vaidade que impulsiona a intenção de nunca permitir que destruam o contento da profissão. Mexeram com a nossa dignidade enquanto exercício do estímulo pessoal de ensinar, aprendendo. Tiveram a justa resposta de uma classe que se uniu por contra-maré, como que aproveitando o despótico bater da onda para avolumar o tsunami da objecção.
A única virtude desta desastrada política ministerial foi a de despertar a adversidade juntando a insatisfação. Espero que tenham aprendido a lição porque senão temos muitas mais aulas para dar e, como sempre, gostamos de cumprir o planificado.
Não pondo em causa a indispensabilidade de criar mecanismos que cultivem o sentido da responsabilidade e afiram o propósito do desempenho profissional entendo que um dispositivo de avaliação tem que assentar numa perspectiva que reconheça a multiplicidade dos actores para que, através de um diálogo crítico, possam encontrar um sentido colectivo para o desiderato, que neste caso concreto será sempre a melhoria do sistema de ensino. Contudo, para que haja esse diálogo é necessário que todos eles saibam o que está em jogo. "Para bem jogar é preciso saber primeiro ao que se joga", (Hadji, 1994).
Não obstante, entendo que não basta conhecer as regras, é fundamental que elas sejam negociadas e concebidas em conjunto. Ou seja, os critérios de avaliação do desempenho devem ser concebidos, problematizados e explicitados de maneira a que todos os intervenientes saibam que o conceito de avaliar não é unívoco.
Faça-se avaliação do que é avaliável, com quem é avaliado e com meios exequíveis para avaliar.
Considerando que "a mudança é algo de obrigatório na sociedade actual" (Fullan, 2002), por conseguinte, na escola de hoje, exige-se promover uma reflexão sobre o exercício da actividade docente, sobre o que estamos ou queremos construir e sobre uma modernidade social de exigência de adaptação a novas realidades. É indispensável repensar o paradigma do professor articulando a sua formação e acção nos contextos autênticos de exercício da profissão, de modo a transformar a escola numa real necessidade de valorização global ascendente.
Importa agora encontrar o caminho, caminhando com passos certos e determinados numa plataforma de convergência de todos quantos partilham a necessidade de defender a educação como um garante da escola pública, democrática e inclusa. Não podemos vacilar nem aceitar as cedências circunstanciais de adiamentos temporários, as propaladas benesses do embuste da autonomia ou as intoleráveis experimentações que utilizam os professores contratados como "as cobaias" do processo.
A luta continua e é de todos e não podemos trair a digna marcha da indignação.

José Maria Cardoso


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 177
Ano 17, Abril 2008

Autoria:

José Maria Cardoso
Professor. Escola Secundária Alcaides de Faria. Barcelos.
José Maria Cardoso
Professor. Escola Secundária Alcaides de Faria. Barcelos.

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