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A ilusão da potência

Sucesso poder e dinheiro

Em uma conversa com atletas, em julho passado, logo após a realização dos jogos pan-americanos no Brasil, o Presidente Lula exortou o bom desempenho da delegação brasileira, agradeceu a dedicação dos atletas e conclamou-os a prosseguirem no empenho "de fazer deste país uma grande potência". Nos dias seguintes, uma divulgação celebrativa de tal conclamação foi o foco central nos comentários da mídia sobre o encontro dos atletas com o Presidente.
Recentemente, no dia do professor (comemorado no Brasil em 15 de outubro), em entrevista ao jornal de maior circulação em Porto Alegre, uma professora dizia que o fato de crianças e jovens considerarem sucesso, fama e fortuna como o que mais importa na vida, hoje, rouba-lhes a oportunidade de encontrar satisfação em coisas simples como estudar e aprender. Por concordar com ela e discordar do presidente, teço alguns comentários.
Os episódios relatados, somados a tantos outros que testemunhamos cotidianamente, levam-me a pensar sobre essa obsessão contemporânea por "potências" de todo o tipo, que implica um descarte de tudo aquilo que estaria mais facilmente ao alcance de todos nós. Enquanto almejamos "grandezas", e as consideramos o supremo bem a ser alcançado, negligenciamos uma infinidade de opções e caminhos que poderiam oferecer-nos, quem sabe, uma vida comum, com condições razoáveis de existência e muitas chances de encontrar nela realização pessoal, tranqüilidade e a tão desejada felicidade.
No caso de transformar as nações em grandes potências, o presidente brasileiro não está sozinho em sua convocação recorrente aos cidadãos. Basta ficarmos atentos e logo perceberemos que esta é a tônica dos discursos da maioria dos chefes de estado, bem como da maior parte daqueles que, políticos ou não, dispõem de espaços de visibilidade. A suposição de que ser uma "grande potência" é o melhor que um país pode almejar parece ser parte da amplamente disseminada falácia contemporânea de que felicidade e bem-estar estão inextrincavelmente associados a sucesso, poder e dinheiro. Parece que um grande país não é aquele que cuida de seus cidadãos, assegura-lhes oportunidades, boas condições de vida, proteção e segurança. O que define um grande país tem sido sua capacidade de expandir-se para além de suas fronteiras, atemorizar, dominar e submeter. Grandes potências têm exércitos, armas, riqueza concentrada, ciência sonegada ao "resto" do mundo, e, diante disso, imenso poder de persuasão e barganha.
Desde os meninos pobres que sonham tornar-se ronaldinhos com a bola nos pés, passando por milhares de garotinhas ricas ou pobres que têm as top models de hoje como modelos a serem seguidos, e chegando ao imenso contingente de jovens que, com uma guitarra ou um microfone, imaginam-se mega stars levando imensas platéias ao delírio, todos alimentam-se da ilusão de potência que fama e dinheiro propiciariam. Parece que tanto as vidas de crianças, jovens, e também de adultos de hoje, quanto os projetos de grande parte dos países do mundo estão direcionados - e por que não dizer? - obcecados, por esta conquista da potência.
É perceptível, contudo, que não apenas os discursos com elevado impacto midiático celebram, dia após dia, as trajetórias espetaculares e financeiramente bem sucedidas de personalidades famosas (e ricas), e de nações poderosas (e ricas), transformando-as em modelos desejáveis, como tal visão impregna as sociedades contemporâneas, perpassando todos os seus estratos, e invadindo nossas vidas inapelavelmente. Parece que não há realização e felicidade possíveis fora de experiências superlativas em qualquer domínio da nossa existência.
Perdeu-se, na sociedade do espetáculo, da mídia e do consumo, a perspectiva de projetar uma vida assentada sobre trabalho prazeroso, sobre experiências comuns compartilhadas, sobre expectativas exeqüíveis a longo prazo, sobre o equilíbrio entre razão e sensibilidade. Aliás, nada do que acabei de enunciar se encaixaria na descrição da maior parte das personalidades icônicas destes tempos. Imensas audiências são mobilizadas por bilionárias ridículas, mega stars devassas ou outras personalidades irreverentes e incontroláveis, invariavelmente associadas a fama, poder e dinheiro. A conclamação à fruição máxima, a exacerbação do individualismo e a proliferação irrefreável de narcisos pós-modernos são signos de um tempo em que somos assolados pela ilusão da potência.


  
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

Marisa Vorraber Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil
Marisa Vorraber Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil

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