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Desemprego cresce assustadoramente entre os professores

Onde está a justificação? 

A taxa de desemprego entre os professores atinge níveis preocupantes. A ministra Maria de Lurdes Rodrigues rejeita responsabilidades e fala de um "desajustamento entre a oferta de formação e as necessidades do sistema educativo". Os sindicatos recusam este argumento e consideram que o problema se deve sobretudo à política de dispensas na função pública e à má gestão da oferta de formação no ensino superior. Neste Em Foco, procuramos lançar algumas pistas para o debate ouvindo opiniões e apontando algumas soluções preconizadas por parte de quem reflecte sobre esta questão.
De acordo com dados do Ministério da Educação, nos últimos dois anos a rede de ensino público perdeu mais de dez mil professores, cerca de 7500 dos quais só ao longo do último ano lectivo. Segundo a Federação Nacional dos Professores (Fenprof), a estes poderão juntar-se outros dez a doze mil até ao final de 2008 e entre 16 e 23 mil nos próximos três anos. Apesar desta perda progressiva, este ano existem mais 14 mil alunos matriculados no sistema de ensino relativamente ao ano anterior.
No concurso de colocação de professores, cujos resultados foram divulgados no final de Agosto, apenas 3252 dos quase 48 mil professores candidatos obtiveram um horário completo na primeira fase. Neste universo contavam-se mais de 20 mil que, em 2006/07, tinham dado aulas. Na segunda-feira seguinte à divulgação destes resultados, milhares de docentes acorreram aos centros de emprego, serviços da Segurança Social e lojas do cidadão para se candidatarem ao subsídio de desemprego.
A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, considerou que o aumento do desemprego se deve ao "desajustamento entre a oferta de formação e as necessidades do sistema educativo", argumentando ainda que mais de metade dos candidatos são provenientes de ciclos de ensino que não estão em crescimento. "Temos cada vez menos alunos no ensino básico e, portanto, não há condições para responder às expectativas destes diplomados no ensino", sublinhou a ministra, rejeitando quaisquer responsabilidades por esta situação.
Os casos mais dramáticos observam-se no ensino pré-escolar, no 1º ciclo e nas áreas disciplinares de Português e História do 2º ciclo. As necessidades do sistema centram-se agora em professores do 3º ciclo e do ensino secundário, sobretudo devido ao aumento da oferta nos cursos de educação e formação profissionalizantes.

Sindicatos responsabilizam ministra

Os dois principais sindicatos de professores reagiram em uníssono às declarações de Maria de Lurdes Rodrigues, responsabilizando a tutela pela actual situação. Para a Federação Nacional de Professores (Fenprof), não há desajustes entre oferta e procura que justifiquem o aumento do desemprego entre os professores, nomeadamente pelo facto de a grande maioria dos candidatos que não obtiveram colocação já ter dado aulas no ano passado. Mário Nogueira, secretário-geral desta estrutura, afirmou que a actual situação se deve exclusivamente às políticas de "redução de trabalhadores na função pública", referindo como exemplo os cerca de 4400 professores que se aposentaram no passado ano lectivo e que não foram substituídos, acusando o actual Governo de promover "um dos maiores despedimentos colectivos de que há memória" no país. Neste sentido, recordou que o trabalho dos professores não se resume à sala de aulas, havendo necessidade de mais docentes para trabalhar com crianças com necessidades educativas, ou no desenvolvimento de outros projectos em contexto escolar, como o papel de mediadores na gestão de conflitos.
O presidente da Federação Nacional de Educação (FNE), João Dias da Silva, lamentou a actual situação e apontou medidas como a criação de mecanismos de apoio à promoção do sucesso nas escolas ou o estabelecimento de um enquadramento legal que permita dar prioridade a estes professores no desenvolvimento de actividades de enriquecimento curricular no 1° ciclo. O coordenador da FNE defendeu ainda que a tutela deveria promover "formações curtas a nível superior", em articulação com o Ministério da Ciência e do Ensino Superior, que permitam a reconversão profissional dos professores, seja os que se encontram em exercício seja os candidatos ao ensino que continuam a sair das faculdades e "cujo destino mais óbvio é o desemprego".
Carlos Chagas, presidente do Sindicato Nacional e Democrático dos Professores (SNDP), acusou também o Governo de ser o único responsável pela situação. "Este Governo determina o número de vagas da formação inicial de professores no ensino superior e por razões que se prendem com uma política de má gestão vem agora dizer que há excesso e que nada tem a ver com isso", afirmou Chagas, garantindo que caso existisse uma boa gestão por parte da tutela haveria lugar no sistema de ensino para os cerca de 45 mil docentes que agora se encontram no desemprego.

Reconverter e alargar o perfil dos profissionais de educação

Apesar de mostrar preocupação com a crescente falta de empregabilidade que afecta os recém-formados, Luís Rothes, professor da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, recusa o "alarmismo" das organizações sindicais e afirma que "o sistema educativo não pode ser pensado para dar emprego aos professores". Questionado sobre o futuro das instituições de formação de professores face à actual conjuntura, Rothes garante que não receia pela sobrevivência das mesmas.
"Num país com um significativo atraso educativo como o nosso, existe uma manifesta necessidade de técnicos superiores de educação que possam actuar em áreas como a formação de adultos, o ensino das artes ou o serviço de carácter social, entre outras. A formação não pode é continuar direccionada para áreas onde o sistema já atingiu a saturação". Para isso, explica, "é preciso apostar em formações de banda larga que permitam ampliar o perfil de actuação dos futuros profissionais de educação, paralelamente com ofertas formativas que garantam uma rápida reconversão e actualização dos saberes científicos". É precisamente em contextos como este, diz ainda, que "o processo de Bolonha pode constituir uma oportunidade".
Ricardo Vieira, professor da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Leiria (IPL), partilha das mesmas opiniões e vai mais longe ao afirmar que no nosso país "existe a ideia enraizada de que a obtenção de um curso garante necessariamente um emprego". No caso dos professores, adianta, "o Ministério da Educação foi durante muitos anos a entidade formadora e empregadora, não tendo havido preocupação em regular o mercado", circunstância que acabou por se traduzir no actual desequilíbrio. Perante o facto consumado, e embora admitindo que a sua proposta não seja propriamente inovadora, uma das soluções para o desemprego docente poderá passar a curto prazo por acções pontuais de reconversão profissional que lhes permita assumirem funções de apoio técnico ? nomeadamente em áreas emergentes como as novas tecnologias ? cultural e pedagógico às escolas.
Face à previsível diminuição do número de candidatos aos cursos orientados para a via de ensino, as instituições de formação deverão, também elas, saber "adaptar-se e reconverter a sua oferta". Tanto mais, explica Vieira, quanto "à escola de hoje se colocam desafios e problemas que exigem um novo perfil de educador", vocacionado para o trabalho social, como a ligação à família, a mediação de conflitos ou o desenvolvimento e animação de projectos locais. Para que isto aconteça, porém, "o ME terá de abrir espaços de intervenção nas escolas e legitimar estes novos papéis".
Antecipando a actual conjuntura, a ESE de Leiria apontava, já no início dos anos 90, para a necessidade de reequacionar a sua oferta formativa e alterar a designação para Escola Superior de Educação e Ciências Sociais. Apesar de nunca ter obtido luz verde do Governo para esta nova denominação, a instituição decidiu avançar, em 1993, para a abertura de novos cursos de banda larga: Relações Humanas e Comunicação do Trabalho, Turismo Cultural, Comunicação Social e Educação Multimédia, Serviço Social e Animação Cultural. "Se esta reconversão não tivesse ocorrido, a ESE de Leiria já teria provavelmente fechado as suas portas", garante Vieira.
Questionado sobre este tema, o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Luciano Rodrigues de Almeida, considera que a definição de um quadro orientador da formação de professores em Portugal depende, antes de mais, dos "objectivos do país no domínio da sua política educativa". Na sua opinião, "esta é uma das matérias em que considero que a ausência de um pacto de regime que afaste as tentações que cada ministro sente de fazer a 'sua' reforma, destruindo o trabalho do anterior sem o avaliar, compromete qualquer esforço sério de regulação". Em matéria de educação, aliás, Luciano de Almeida considera que "os partidos políticos têm sido completamente irresponsáveis, havendo muitos actores do sector educativo em Portugal que ainda não entenderam que a educação é um bem público".

Formação para a docência tem vindo a diminuir

De acordo com o Observatório da Ciência e Ensino Superior, o número de recém-formados nas áreas vocacionadas para a docência tem vindo a diminuir desde 2003. Ainda assim, as universidades e politécnicos portugueses formaram 88161 mil professores entre 1998 e 2005. Analisando os dados mais detalhadamente, pode verificar-se que o número de alunos que obtiveram um diploma em cursos da área de Educação passou de 6667 no ano lectivo de 1997/98 para 15012 em 2002/03, ano em que esta tendência se começou a inverter. De facto, em 2003/04 o número caiu para 12166 diplomados e para 10246 no ano seguinte, evolução à qual não terá sido alheia a diminuição do número de vagas disponibilizadas pelas instituições de ensino superior com oferta nesta área. Relativamente ao número total de diplomados, o sector educativo representava 14 por cento em 1997/98, tendo subido para 22 por cento em 2002/03. No ano seguinte representava apenas 18 por cento, tendo regressado para valores próximos do início do período em análise (15 por cento) em 2004/05.
Apesar de a análise destes dados permitir verificar que existe uma diminuição do número de candidatos a professor lançados para o mercado de (des)emprego, o número daqueles que não consegue colocação nas escolas tem conhecido uma progressão inversamente proporcional. Tendo em conta este problema crescente, que tipo de resposta oferece o Instituto do Emprego e Formação Profissional?
A PÁGINA colocou esta questão ao delegado regional do norte do IEFP, Avelino Leite, que considera o trabalho com os candidatos a professor "muito difícil". Isto, explica, porque "a maioria interiorizou um projecto de vida que não contempla outras alternativas para além do ensino, sendo habitualmente pouco provável convencer pessoas nesta situação a aceitar ofertas de emprego noutras áreas de actividade".
Como exemplo, refere o facto de o IEFP ter mantido ao longo dos últimos anos um conjunto de acções de formação destinadas a reencaminhar a saída profissional de activos qualificados ? designado Programa Fordesq ?, nas quais se encontravam inscritos um significativo número de professores, "descontinuadas em função dos seus resultados praticamente nulos". Muitos dos candidatos, diz, "desistiam mal lhes aparecia uma oportunidade para preencher um horário, ainda que incompleto, em escolas localizadas a centenas de quilómetros de distância, em regiões como o Alentejo ou o Algarve".
A esta circunstância, acresce o facto de o IEFP receber uma escassa oferta de emprego na área da docência ? exceptuando casos pontuais provenientes de gabinetes de estudo ou similares ?, dada a natureza muito específica do processo de recrutamento inerente ao sistema de ensino, reduzindo consideravelmente a capacidade deste organismo em proporcionar uma resposta específica a este sector.
"Estamos num regime de mercado livre onde cada um pode obter as qualificações que entender, mas não podemos esperar que toda a gente encontre emprego na respectiva área de formação. Os professores que estão no desemprego, à semelhança de outros profissionais, têm de perceber que muitas vezes têm de optar por uma área que não corresponde necessariamente à sua formação. O grande drama dos professores nesta situação é que na maioria dos casos demoram muito tempo a aperceber-se dessa inevitabilidade".

Partilha de responsabilidades entre Governo e instituições de ensino superior

Em Março do ano passado, a Página publicava uma entrevista com Eduardo Anselmo de Castro, professor da Universidade Aveiro (UA), que, em colaboração com uma equipa de investigadores, desenvolveu um modelo de análise prospectiva que permite determinar com precisão o número de professores necessários ao sistema educativo português, nas diferentes áreas disciplinares, até 2020. Para além de permitir determinar a procura, Anselmo de Castro garantia que ele pode ser aplicado, sem demasiada rigidez, às possibilidades de saída profissional. O modelo foi testado com sucesso pela própria UA num estudo de viabilidade para a instalação de um pólo na cidade de Viseu, e o Instituto Politécnico de Leiria encomendou um modelo semelhante de procura e de colocação da formação de professores para o ensino básico e secundário.
Nessa entrevista, Anselmo de Castro explicava que o modelo assenta no cruzamento de parâmetros como as previsões demográficas da população, o número de alunos, as taxas de escolarização e a dimensão média das turmas existentes por nível de ensino, prevendo a possibilidade da extensão do ensino obrigatório para doze anos a partir de 2010. Partindo desses resultados, cruzam-se dados como o número de professores existente por grupos etários e por grupos disciplinares, o número previsto de aposentações, a variação de cargas horárias e as horas destinadas a cargos pedagógicos, bem como o número de professores previstos nos cursos de formação de professores. Como forma de avaliar o impacto de medidas alternativas de política educativa, são considerados três parâmetros variáveis (dimensão da turma, idade de reforma e formação de professores) que, combinados entre si, ajudam à definição de diferentes cenários.
Apesar de garantir que houve interesse por parte do Ministério da Ciência e do Ensino Superior ? na altura tutelado pelo ministro Pedro Lynce ? em conceber um modelo prospectivo similar para o sistema educativo português, o facto é que o pedido acabou por ficar na gaveta. Na mesma ocasião, Anselmo de Castro lamentava a falta de interesse dos decisores políticos numa planificação mais rigorosa do sistema, afirmando ser muito difícil introduzir este tipo de cultura no nosso país.
A questão que se coloca é, então, porque razão nem o Governo nem as instituições de ensino superior se socorrem de instrumentos desta natureza no sentido de regular o mercado de emprego e salvaguardar situações como a que actualmente se vive. Colocamos esta questão aos presidentes do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos. Ao longo de uma semana tentamos contactar o presidente do CRUP, mas Fernando Seabra Santos mostrou-se indisponível para responder ao nosso convite.
Na opinião de Luciano Rodrigues de Almeida, presidente do CCISP, o "evidente desajustamento entre a oferta de formação superior e as necessidades da rede escolar" resulta de "responsabilidades partilhadas" entre o Governo e as instituições de ensino superior. "O Governo porque tinha a obrigação de ter promovido os estudos prospectivos que permitissem com rigor fazer o levantamento das necessidades de professores a médio prazo, o que pressupunha a definição de uma política educativa capaz de sobreviver a um ministro e a um governo e de aproximação aos níveis de desempenho da média da União Europeia. As instituições porque, enquanto centros de saber e na omissão do Governo, tinham a obrigação de ter elas próprias promovido esses estudos e adequado a sua oferta de formação".
Neste domínio, sublinha, "o conservadorismo das nossas instituições de ensino superior e de grupos de interesses instalados tem conseguido dificultar qualquer iniciativa de auto-regulação". Regulação, admite este responsável, que "acabou por ser feita à custa da diminuição de candidatos", à qual se seguiu uma redução drástica do número de vagas por parte das instituições, sem qualquer estudo prospectivo que a sustentasse.
Concluindo num tom crítico, Luciano de Almeida afirma que "em geral, as nossas instituições de ensino superior são incapazes de tomar decisões e incapazes de promover mudanças, porque estão prisioneiras de jogos de interesses corporativos que as paralisam". Além disso, diz, "têm uma deficiente concepção de 'autonomia' e não a usam em matérias em que supostamente estão obrigadas a fazê-lo, como o da regulação da sua oferta pedagógica".

Algumas notas de reflexão
Rui Vieira de Castro
Universidade do Minho ? Instituto de Educação e Psicologia


A existência de um número muito significativo de pessoas com qualificação profissional para a docência que hoje não encontram trabalho correspondente a essa qualificação é um facto que não pode deixar de merecer reflexão, seja por parte dos principais empregadores, seja por parte das instituições de formação, seja, enfim, por todos aqueles a quem as questões da educação importam ou dizem respeito. Não podendo ser este o lugar para um comentário extenso sobre o tema, deixaria, no entanto, algumas linhas de leitura que julgo pertinentes:

1. Há uma profunda contradição entre a existência de níveis de qualificação escolar da nossa população, que ficam claramente aquém do que seria desejável, e a existência de um corpo de pessoas profissionalmente habilitadas que não podem dar o seu contributo efectivo para o aumento dessa mesma qualificação. Não me parece que esta contradição possa ser respondida apenas com base em expectativas acerca das virtualidades do "mercado educacional". Haverá certamente lugar para o desenho e desenvolvimento de políticas públicas que possam aproveitar o esforço que o país ao longo dos anos foi despendendo na formação de profissionais qualificados.
2. No que diz respeito à formação dos novos profissionais, haverá que aprender com os erros do passado e explorar novas possibilidades. Existe hoje, e julgo que fundada, a convicção de que a formação de professores se tornou para muitas instituições de ensino superior um projecto instrumental de expansão da sua oferta educativa, sem que muitas vezes a qualidade dessa oferta tenha sido suficientemente acautelada, situação para que alguma demissão do Estado na regulação da oferta acabou por contribuir. A verificação de que muitos licenciados não encontram hoje acolhimento no sistema enquanto profissionais e de que alguma rarefacção na procura deste tipo de formações vai acontecer pode ser uma oportunidade para se repensar, em novas bases, de maior exigência, a formação dos professores. Julgo que alguns passos positivos foram dados com a publicação recente do decreto-lei nº 43/2007 que aprova o regime jurídico de habilitação profissional para a docência na educação escolar e nos ensinos básico e secundário. A avaliação rigorosa dos projectos em sede de acreditação dos cursos será um mecanismo com significativas potencialidades.
3. Se temos uma certeza é de que professores profissionalmente qualificados serão cada vez mais necessários Por outro lado, muitos estudantes continuarão a ver na profissão de professor um horizonte desejável. Neste quadro, o desafio maior que se coloca é o de se encontrar as formas mais adequadas de conjugar estes dois tipos de expectativas, de forma a garantir a expansão sustentada de ofertas educativas de qualidade."


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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