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Governo & políticas desportivas
Embora se viva numa enorme crise do Estado Providência em que o desporto, como não podia deixar de ser, também tem vindo a sofrer profundas consequências, hoje, os países desenvolvidos com o Reino Unido ? lembramos que Londres vai organizar os Jogos Olímpicos em 2012 ?, Austrália, Canadá e países do Norte da Europa à cabeça, estão novamente a investir em políticas públicas em matéria de desporto, conducentes não só a apoiar a alta competição como a generalização da prática desportiva, com objectivos de promoção social, equilibrando, deste modo, os excessos que o mercado introduziu nos sistemas desportivos nos últimos anos.
Se olharmos para o que se passou nos últimos anos em matéria da promoção objectiva da prática desportiva numa lógica nacional, através de políticas concertadas entre as escolas, os clubes e as autarquias, pouco ou nada há a referir. De facto, os nossos Governos limitaram-se a acompanhar a medo o desporto federado, mantendo todo o programa nacional de preparação olímpica ? incluindo o correspondente pacote de financiamento ? sob o arbítrio decisional do Comité Olímpico de Portugal, situação "sui generis" que desresponsabiliza o Estado pela condução efectiva do desporto a nível da competição internacional, com os resultados que vimos recentemente com o apuramento do futebol nacional para os Jogos Olímpicos de Beijing.
E quanto ao desporto de base, se formos procurar programas de promoção activa no território nacional, estudo sistematizado e recolha de elementos de caracterização da prática desportiva no todo nacional, definição de quadros estratégicos de desenvolvimento desportivo local, parcerias locais entre clubes e escolas, lançamento de quadro de competições desportivas escolares nacionais, programas de formação de treinadores, de captação e formação de voluntários, não é possível identificar seja o que for com o mínimo de consistência.
O que hoje se constata é que aonde estas políticas deviam começar que é no sistema de ensino, as coisas passam por uma profunda crise de identidade. De facto, o "modelo pedagogista da educação física", aliado a um pós-moderno "exercício para a saúde", para além de estar a repetir erros do passado, está a transformar uma disciplina curricular vocacionada para o ensino do desporto numa espécie de "actividade paramédica" sem qualquer sentido no quadro das necessidades das crianças e dos jovens do país. Por outro lado, o desporto escolar enquanto actividade de complemento curricular foi reduzido ao grau zero da sua dignidade, ao liquidar-se paulatinamente uma estrutura nacional que lhe dava um mínimo de operacionalidade e prestígio nacional e internacional. Tudo isto, salvo raras excepções, perante a incompreensível complacência das Associações dos Profissionais de Educação Física e da própria Sociedade Portuguesa de Educação Física.
E assim, atingiu-se o culminar de uma situação insustentável iniciada em meados dos anos oitenta, quando uma perspectiva neo-mercantilista começou a desresponsabilizar o Estado das suas funções sociais em matéria de desporto, passando para o movimento desportivo responsabilidades para as quais este não tinha nem competência nem vocação para as exercer.
Assim, ao cabo de mais de dois anos de governação estranhamos que o IDP, organismo com especiais atribuições em matéria de promoção do desporto, insista em deslocar progressivamente a sua missão para a actividade física que hoje é uma indústria que se auto-sustenta numa forte dinâmica económica e ainda bem, mas que nada tem a ver com a promoção do desporto que é e deveria continuar a ser a verdadeira missão do IDP. Estranhamos ainda que o IDP, pura e simplesmente, ignore as diversas problemáticas que oportunamente foram levantadas no importante documento da União Europeia sobre desporto neste momento em discussão (o "Livro Branco sobre o Desporto na UE"), apenas se referindo explicitamente ao desporto num minúsculo programa apelidado de "Mexa-se". Quer dizer que o IDP, com pergaminhos em matéria de desenvolvimento do desporto com raízes nos anos quarenta do século passado, reduziu a sua vocação principal a um programa de exercício físico importado de uma autarquia da periferia. Depois, surge um Nelson Évora e o país descobre que afinal em matéria de desporto, para além de alguns resultados de atletas de excepção que dependem fundamentalmente deles e dos seus treinadores, o desporto está parado.
Há um trabalho urgente a desenvolver que deve decorrer em paralelo com o desenvolvimento da Lei de Bases do Desporto e da Actividade Física. Caso contrário, Laurentino Dias ficará na história do desporto nacional, como mais um ministro que por aqui passou sem que se tivesse dado por isso.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 171
Ano 16, Outubro 2007

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
José Pinto Correia
Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
José Pinto Correia
Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa

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